O ponta-grossense Sérgio Bianchi veio estudar em Curitiba na juventude, de onde saiu em 1969 cansado do conservadorismo da cidade. Em São Paulo, onde mora há 40 anos, encontrou um ambiente mais receptivo à sua disposição permanente de polemizar em torno de questões nacionais em seus filmes cinco deles reunidos em DVD em uma caixa lançada recentemente pela Versátil Home Video (R$ 149,90).
O cineasta, tão cáustico quanto sua obra, esteve em Curitiba na semana passada para a divulgação de seu sexto longa, Os Inquilinos, em cartaz no Unibanco Arteplex, e concedeu entrevista à reportagem da Gazeta do Povo no Hotel Caravelle, onde estava hospedado.
Como você analisa os anos que viveu em Curitiba?
Fiquei em Curitiba até 1969. Fui para São Paulo por causa do movimento estudantil e porque achava a cidade muito conservadora. Aqui fui assistente de produção de filmes, fiz teatro amador, carregava pedra. Quando cheguei em São Paulo, comecei a estudar cinema na ECA-USP, minha história começou lá, onde estou há 40 anos.
Mas ainda me sinto curitibano de muitas formas, inclusive as negativas. Tenho a memória de uma cidade prazerosa de se viver, onde se podia sair à noite, encontrar amigos, ver árvores de fruta na rua, passar o dia inteiro na Rua XV e encontrar intelectuais, punks, a garotada. Mas nunca consegui filmar aqui, já estou com um quilo de filmes, e raramente consigo algum apoio daqui.
Falta estímulo local para a produção audiovisual?
O Paraná inteiro tem uma força cultural imensa. Eu gostaria de fazer um filme sobre os Campos Gerais, por exemplo. Mas não há uma política estruturada para o cinema de longa-metragem, mesmo com vários diretores como o Marcos Jorge, o Fernando Severo, além do nosso mestre, o Sylvio Back, que mora no Rio de Janeiro. Há uma moda de apoiar a "laborterapia", que é ficar fazendo laboratório de cinema, e eu sou da geração de fazer o filme, mostrar e exibir, o que é muito difícil. Além disso, cinema é caro, tem quer ser feito com coproduções. O Paraná poderia abrir uma carteira pra 4,5 longas, e as pessoas conseguiriam o resto do dinheiro na Petrobras, no BNDES, e fariam filmes sobre a cultura paranaense.
Seus filmes sofreram com um problema crônico que é a falta de distribuição.
O espaço audiovisual é dominado de 85 a 95% pelo cinema estrangeiro. Então, não tem conversa. Aí pergunto: por que os administradores da cultura não honram os seus salários e passam a trabalhar para criar este espaço? Sem espaço, cria-se uma indústria virtual, com novos códigos, novas relações, em cima destes 5% que nos restam. E aí acontecem todas as distorções que você está acostumado a ver: o dinheiro é público, fazer cinema é caro, todo mundo briga entre si, vira um pandemônio político.
A crítica costuma dizer que Os Inquilinos é o seu filme mais sereno. Concorda?
É bobagem. Há uma piada sobre isso: na primeira sessão de um filme, você reúne todos os formadores de opinião e críticos em uma cabine. Aí, assim que termina a projeção, o primeiro que levanta, grita: "É surrealista". Aí todos falam que é surrealista. Existe uma diferença deste para meus outros filmes que é o roteiro, uma história fechada, em que não havia possibilidade de incluir algo que sempre gostei, que é o que eu chamo de distúrbio de linguagem, de panfletarismo, enfim, várias linguagens interferindo no filme. Nesse filme não cabia isso.
Como é ser um cineasta com as suas características em meio à cinematografia brasileira?
Sinto-me sempre um bom menino de Curitiba, grandão, mas eu sou cáustico mesmo. Assumo. Agora que eu já passei dos 60 anos, não dá pra mentir. Sempre penso porque faço cinema e não outra coisa. Ou existe uma característica de artista que me faz ser incapaz de fazer outra coisa.
Eu não sei se meus filmes são bons ou não, não consigo entrar nessa loucura de qualificá-los, mas tenho essa obsessão pela perfeição. Por isso, estou até ficando mais grosseiro e bravo, por que não tenho mais paciência. Eu não vejo os vejo os filmes que faço nem amarrado. Termino e depois não quero mais ver.
Por que?
Não sei, frescura.
O cinema nacional contemporâneo reflete sobre a realidade do país?
De dez anos para cá, os filmes começaram a refletir muito mais. Alguns filmes pegaram esse filão de tratar a periferia: de um lado, diretores como eu, a Lucia Murat, o Jefferson De, cada um com uma visão. De outro, os caras que resolveram fazer a espetacularização da violência para o mercado exterior. Eu não gosto, mas não tenho nada contra. O (crítico, morto em 1977) Paulo Emílio Salles Gomes disse que qualquer filme brasileiro nos diz mais do que o melhor filme estrangeiro.
Mesmo um filme brasileiro muito ruim?
Independentemente da qualidade. Nada contra o cinema americano em si. Mas, veja, o que o (assessor especial da Presidência da República) Marco Aurélio Garcia disse não é dirigismo cultural, é fato (ele chamou de lixo cultural a programação dos canais de televisão paga). Aí as pessoas falam: "Ah, mas tem coisa boa". Claro que sim, há bons seriados americanos, mas isso quer dizer o quê? O que justifica essa entrada de 85%? Aí batem no cara como se ele estivesse tirando o direito democrático da gente assistir ao que quer. Não existe direito, se assiste ao que está passando.
Há um entreguismo, eu não dou dez anos para ver filmes feitos com isenção do nosso imposto de renda, falados em inglês, com atores de Hollywood, com a justificação de que gera emprego. Isso já está começando. E é legitimado por lei. Eu sou meio nacionalista antigo, acho isso uma nhaca. E quem é que impede?
Qual o seu próximo projeto?
Estou preparando um roteiro em que vou falar do que vi entre os anos 1964 e 1968. Mas ainda estou desenvolvendo o roteiro, não sei que rumo irá tomar.