No princípio
As épocas de ouro lembram os domingo no teatro
Da década de 1920 a 1950, a maior parte dos teatros curitibanos era um pretexto para tirar o terno do armário e sair rumo ao colunismo social. Teatro era programa familiar de garbo e elegância. Em 1927, um dos grandes anos das artes cênicas da cidade, Curitiba recebeu o arrasa-quarteirão Procópio Ferreira. Mas, apesar dos bons públicos, ainda carecemos por muito tempo de ares mais profissionais. Para se ter uma ideia, a primeira escola de arte dramática foi formada em 1951, pelo Sesi. Da primeira turma surgiram nomes como Lala Schneider, José Maria Santos e Edésio Passos.
Com o ressurgimento do Teatro Guaíra, reinaugurado em 25 de fevereiro de 1955, a cena se fortalece. "Tivemos, enfim, um local oficial, de impacto, pra ser badalado", diz Marta. A imponência da indústria cafeeira e da produção de erva mate, de modo mais amplo, colocou o estado na mira financeira das companhias do eixo Rio-São Paulo. Havia um mercado.
Aí vieram os anos 1960. A ditadura. "E a fundamental criação do Teatro de Comédia do Paraná", completa a pesquisadora. Mas essa é outra história.
Quando Michel de Montaigne (1533-1592) não estava escrevendo sobre o que lhe dava na telha de problemas estomacais à existência de Deus , ele se ocupava, de um jeito peculiar, em formar a crítica pedagógica da memória. Notório desmemoriado, alegava a vantagem de reler grandes livros como se inéditos ou esquecer de ofensas pessoais para melhor viver. Foi acusado, em muitos casos, de deslembrar o que lhe era conveniente. Se ao plano pessoal a ausência de memória pode ter seus benefícios ao avesso do Funes memorioso de Borges, que não esquecia nada , ao pé histórico-social a desmemória gera um tipo de residual que repercute no teatro curitibano: público escasso que mal sabe do que está sendo produzido atualmente e ainda mais incapaz de compreender o que há para trás de sua própria linha do tempo. "Pergunte até mesmo às pessoas do meio teatral se elas sabem quem foi Cleon Jacques ou José Maria Santos", desafia o diretor João Luiz Fiani.
Não é algo exclusivo do segmento. Há longas temporadas as forças do presente não encontram ressonância no passado, o que reflete num outro ciclo: menos impulso de se lançar ao futuro. Não há tradição, não há construção. Por aqui, a história teatral do esquecimento começa em Paranaguá por ser porto, destino e eterno regresso. Logo no início do século 19, a cidade registrou montagens de Molière e do cômico carioca José da Silva que depois acabou sendo queimado pela Inquisição. Tudo era feito ao ar livre, entre feirantes e viajantes. Na metade do século 19, surgem os primeiros teatros locais, que, aliás, passavam por problemas constantes de manutenção. Havia público, mas também muita madeira podre.
Entretanto, o desmembramento do Paraná de São Paulo e a falta de estrutura dos teatros parnanguaras leva o eixo teatral à Curitiba. Com a inauguração, em 1884, do Theatro São Theodoro, que posteriormente veio a se chamar Guayrá, até sua demolição em 1935, a cidade passou a ser rota cultural.
Cemitério de companhias
No início do século 20, muitas companhias estrangeiras incluíam a capital em seu circuito. "Elas vinham se apresentar em São Paulo e Rio de Janeiro e, antes de descerem para Buenos Aires, passavam por Curitiba", alega Marta Morais da Costa, docente sênior da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutora em Teatro pela Universidade de São Paulo (USP).
É dessa época duas das mais interessantes alcunhas que o teatro curitibano incorporou: a do cemitério de companhias e do público ferino. "Muitas companhias acabaram se desfazendo por aqui porque eram arremedos, mambembes, se juntavam para montagens carentes de profissionalismo. O público local não gostava e o projeto de companhia se desfazia". Mas sobre nossa alma crítica... "Olha, isso não é verdade, não. O público curitibano é até bem generoso. A gente aplaude de pé cada coisa..."
Deixe sua opinião