Quando ele entrou no espaço onde hoje é o Teatro Experimental da UFPR (Teuni), aquilo se resumia a dois andares de salas de aulas queimadas por um incêndio. “Imediatamente eu vi isso aqui”, diz Hugo Mengarelli, apontando para palco, holofotes e arquibancada.
O argentino comemora em agosto os 20 anos do grupo que criou na Universidade Federal do Paraná, mas avisa que vai se aposentar até novembro. O legado que deixa na instituição inclui o ensino de teatro e cinema e a criação do Palavração e do Teuni.
Seu pensamento sobre o trabalho de ator consegue o feito de unir Stanislavski e Brecht, criadores e teóricos do início do século 20 vistos por muita gente como contraditórios. “Devo muito aos dois. Stanislavski trabalhava sem mostrar a divisão entre ator e personagem. E Brecht o que faz? Mostra essa separação para o público”, explica.
Mas, no momento em que o ator precisa dar o “pulo sem rede” da criação, não tem professor que ajude, na opinião de Mengarelli: “Se o ator não está verdadeiro no palco, pode ser muito bonito, mas para mim é insuportável”. Um pouco, ou melhor, 370 páginas de suas maquinações fervorosas, disparadas num português que nunca perdeu o sotaque castelhano, está no livro Ética e Estética no Ator – Uma Questão de Desejo, resultado de sua tese de doutorado em Teatro pela USP.
No inventário dessas duas décadas à frente do grupo da UFPR, surpreende que em apenas três momentos tenha havido estreias com o nome de Bertolt Brecht na ficha técnica, apesar do teor político e brechtiano do grupo. As peças foram A Exceção e a Regra, Um Olhar Brechtiano e Boa Alma.
CRONOLOGIA
Refaça os passos do desenvolvimento de teatro na UFPR:
1995 – Criação do grupo Palavração
1998 –Criação do Teuni, no prédio histórico da UFPR
1998 – Criação do curso noturno de Formação de Atores na Escola Técnica da UFPR
2009 –Transformação do curso em Tecnologia em Produção Cênica
2012 – Extensão da companhia para a UFPR Litoral
Mas os escritos do criador alemão perpassam todo o pensamento da pesquisa realizada na sala instalada no prédio histórico da UFPR, na Praça Santos Andrade, como num trabalho de fundo. Da mesma forma, nem todas as dezenas de integrantes sobem ao palco a cada estreia. O recente 3962, por exemplo, tinha só três. “Quem não quer estar no palco ou não pode estar no momento pode fazer outras funções, trabalhar com figurino, maquiagem, sonoplastia, luz”, explica Alaor de Carvalho, que assume a direção do grupo no lugar de Mengarelli.
Atores humildes
Alaor é o exemplo cabal da maior conquista que o mestre percebe em seu trabalho: a transformação de alunos humildes em criadores de teatro. Primeiro colocado numa seleção para atores há 19 anos, ele passou a professor da UFPR em 2006 e diretor de espetáculos. “Chegavam aquelas pessoas tímidas, que nunca acharam que entrariam no prédio da universidade”, conta. Passaram até hoje cerca de 350 alunos pelo grupo, que é aberto à comunidade e costuma ter um chamamento anual de seleção.
Outra conquista enumerada por Mengarelli foram encenações no Guaíra e Teatro do Paiol – neste último, com o fato inédito de ter ficado dois meses em cartaz com O Incrível Retorno do Cavaleiro Solitário e seu Fiel Companheiro Severino Gentil. “Para mim foi o maior espetáculo que fiz na vida, quatro músicos no palco, 17 instrumentos, 30 pessoas no palco e todos fazendo sonoplastia juntos.” O texto é um dos 11 escritos por ele. “Tem gente que pede para eu confessar que é do João Cabral de Melo Neto”, brinca.
Outros marcos cênicos foram Agide, uma Antígona Brasileira, uma “superprodução”, nas palavras do diretor. “Tivemos que visualizar isto [novamente apontando para o teatro como é hoje] como parte do cenário”. Na época, graças a um edital municipal, o grupo teve verba para terminar de construir o espaço e comprar equipamentos.
A inauguração do Teuni, em 1998, aconteceu com Uma Coroa de Orquídeas para uma Fria Pecadora, um mix de três histórias de A Vida Como Ela É, de Nelson Rodrigues. “Ele dizia que nada representava mais seu teatro do que o tango”, diz, relembrando que um bandoneon e um casal bailando eram os poucos elementos que colocou em cena.
E a travessia continua: o grupo estreia Histórias de Acostamentos dia 26 de junho, junto com uma exposição da história do Palavração contada por meio de fotos e banners.
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