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O ator Hélio Cícero tem sido testemunha das transformações por que passa o teatro desde os anos 1970, com passagens também pela televisão e pelo cinema. Trabalhou com diretores renomados: relembra como ponto alto da carreira o agradecimento afetuoso que recebeu do norte-americano incensado Robert Wilson após a estreia brasileira de A Dama do Mar, em 2013. Ele fazia o protagonista Wangel, mesmo papel que interpretou em 1996 na montagem do mesmo texto, de Henrik Ibsen, em que Ulysses Cruz levou o teatro para um píer no cais do Rio de Janeiro. O artista esteve em Curitiba durante o Festival de Teatro, quando estreou o espetáculo Post Sciptum, e conversou com a Gazeta do Povo. Entre outras coisas, sobre a importância de se fazer pesquisa nas artes cênicas.

Você fez teatro de pesquisa desde o início da carreira?

Comecei com teatro estudantil, teatro amador na Baixada Santista, fiz a Escola de Artes Dramáticas (SP) e depois novela. Não me dei bem e fui trabalhar com o Antunes Filho. Fiz umas quatro peças com ele que considero um divisor de águas, em Nova Velha História, adaptação de Chapeuzinho Vermelho feita em gromelô, para adultos. A estética era belíssima e viajei o mundo, cheguei a ir a Hong Kong. Depois trabalhei com Ulysses Cruz numa sequência de Shakespeare. Acho que o maior sucesso foi O Príncipe de Tiro, no Sesi da Paulista, onde ficamos dois anos em cartaz. O máximo a que chegamos foi ter Vanessa Redgrave na plateia, e depois ela levando o Ulysses para dirigir na Royal Shakespeare Company. Depois fiz O Rei Lear, com o Paulo Autran, na direção de atores. Sempre fiz trabalho de preparação de atores, coordenei os grupos. E com Ulysses fazia essa coisa de pegar o chicote...(risos)

A estreia do Rei Lear foi em Curitiba. Como te pareceu a cena teatral curitibana naquela época?

Eu achava uma maravilha sair de São Paulo, com um elenco de uns 15, mais uma equipe técnica. Mas as pessoas daqui ficaram queimadas de se usar o dinheiro público para trazer caras de fora. Daqui, tinha o Guilherme Weber. Ele surge na cena profissional naquele momento, quando vim fazer testes com os atores...

Foi você quem descobriu Guilherme Weber?

Levamos três atores para o Paulo Autran escolher depois de uma pré-seleção. O Weber já era ator aqui e entrou. Acho fantástico todo esse trabalho de preparo, e isso eu aprendi com o Paulo Autran. Ele dizia: “Hélio, um (só) gesto”. Eu fiquei com o Paulo quase um ano, quase como babá (ele estava na faixa dos 80 anos).

Como foi trabalhar com Bob Wilson?

Ele queria um tipo de ator específico. Ele dizia “eu não curto ator”. E o que ele quer então? Um cara que fique quieto. E eu tenho um trabalho de imobilidade, modéstia à parte, um preparo de artes marciais, de meditação. Quando ele fez teste com a classe teatral paulista, quem escolhia era ele. Houve uma semana de conversas e até exercícios que ele propôs. Mas eu já tinha um bode com ele, pensava “esse cara não gosta de ator? Então por que está chamando ator?”. Mas é quase uma mise-en-scène, ele adora ator. Acabei de ver ele dirigindo o [Willem] Defoe e Mikhail Baryshnikov [em The Old Woman] e posso dizer que a nossa era muito melhor [risos].

Ficou surpreso com a sua seleção?

Falei “Como assim, sério?” Foi como um presente. É emocionante porque coroa um percurso de trabalho em que eu venho insistindo. Eu sempre fui muito ligado ao teatro experimental, então tudo isso me deu uma característica, modéstia à parte, diferenciada. As experiências com televisão, minissérie, nunca neguei, mas o teatro me fascina, essa coisa de descobrir. Acho que sou quem mais fez Shakespeare no país. E vou fazer no segundo semestre A Tempestade, com Gabriel Villela. Faço Caliban, que tem toda uma coisa corporal. São muito poucos atores brasileiros que caminham por essa trilha.

Qual trilha?

De pesquisa. A busca do teatro através do autoconhecimento. Quase que um caminho místico que o teatro propõe. Toda vez que dou workshop digo “o teatro me salvou”, me salva de uma vida superficial, da ignorância. Porque venho de uma classe muito baixa. Então quando você consegue realizar seja o que for, como a peça de ontem [Post Scriptum, que estreou no Festival de Curitiba]... coisas que nem todo mundo curte mas mantenho um trabalho de pesquisa e outro comercial. Porque é dessas experiências que surgem outras possibilidades.

Houve muita exigência nos ensaios com Wilson?

A gestualidade para mim tem um valor fantástico, ter um domínio vocal, do corpo. E tudo isso facilitou muito na brincadeira, fui me sentindo livre dentro de uma coisa completamente imóvel. Tenho modéstia à parte duas cartas dele, dizendo que gostou muito do meu Wangel. Houve toda uma preparação com um diretor italiano por um mês e meio, em São Paulo. Quando o Bob chegou [em Santos]estava tudo montado, ele sentou e falou “Amei! Está pronto. Eu não precisaria fazer nada. Mas eu gostei tanto, que eu vou mexer em tudo.” Ficamos duas semanas com ele. A gente chegava às 10 da manhã, punha o cabelo, a maquiagem, como se fosse para apresentar. E daí eram de 12 a 15 horas de trabalho. Foi uma aventura única. Para mim o grande momento foi depois da estreia, porque como estreou em Santos e eu iniciei minha carreira lá, tinha muitos amigos. Havia um jantar para a equipe, e a hora que cheguei com minha mulher todos eles levantaram e aplaudiram. Aí foi uma emoção... ele próprio me deu umas “congratulations” muito afetivas. Depois escreveu as cartas. E disse que foi o melhor ator que encontrou nas cinco montagens já feitas no mundo.

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