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“Entendo perfeitamente o que se passa com Baker nesse momento em que a autoconfiança não passa de uma armadilha”, diz ator. | Victor Iemini/Divulgação
“Entendo perfeitamente o que se passa com Baker nesse momento em que a autoconfiança não passa de uma armadilha”, diz ator.| Foto: Victor Iemini/Divulgação

Ao entrar no teatro, o público encontra no palco um baterista solitário, tocando o instrumento, aquecendo suas baquetas. Aos poucos, o som ritmado – crescente, sincopado, contagiante – ocupa todo o espaço e agarra a atenção dos espectadores. Ao soar o terceiro sinal e as luzes se apagarem, determinando o início do espetáculo, o contato foi estabelecido: a plateia já está preparada para assistir “Chet Baker - Apenas um Sopro”, peça que estreia na quarta-feira, dia 20, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo

Escrita por Sergio Roveri, a montagem é livremente inspirada em um momento particularmente doloroso de Baker (1929-1988), ícone do jazz, artista genial, um símbolo sexual viciado em heroína: quando, no final dos anos 1960, com a boca rachada depois de perder muitos dentes ao ser espancado em uma briga de rua de São Francisco, ele ensaia um retorno, encontrando amigos em um estúdio onde pretende gravar o novo disco e marcar sua volta.

Atuações

“Aquela situação expõe um pouco da miséria humana, especialmente a dele”, conta Paulo Miklos, músico da banda Titãs desde seu início, em 1982, e que agora estreia como ator de teatro justamente no papel do genial trompetista americano. “Comecei a atuar há 15 anos, mas sempre no cinema. Aqui, no palco, a exposição é maior, portanto fica mais evidente o risco e a fragilidade de Baker.”

De fato, o baterista do início do espetáculo, vivido por Ladislau Kardos, é um novato que aproveita a chance de tocar ao lado de cobras, como o pianista (Piero Damiani), o contrabaixista (Jonathas Joba) e a cantora (Anna Toledo). E, principalmente, junto de Baker. Não se trata, porém, de uma relação fácil – como todo principiante, o baterista sofre com as brincadeiras dos mais velhos, mas ele se revela como o único ali a vislumbrar um futuro promissor. “É a nova geração observando a veterana e descobrindo que não quer seguir ladeira abaixo”, comenta Joba que, assim como Anna, tem uma sólida carreira no teatro, enquanto Kardos e Damiani, músicos profissionais, são estreantes do palco.

A mescla resulta em uma experiência fascinante, com improvisos típicos do jazz. Na interpretação de Miklos, por exemplo, o público descobre a armadilha do talento. “Com ele e o resto do elenco, busquei mais contundência na atuação para mostrar seres cientes de estarem à beira do precipício”, explica o diretor José Roberto Jardim. “Um estúdio é um ambiente perfeito não apenas para abrigar a música, mas também as histórias pessoais, os dramas, as frustrações”, completa Roveri.

“Há algo muito mais significativo nesta impossibilidade do personagem do Paulo [Miklos] tocar o trompete: é o retrato do artista diante da insegurança, diante da possibilidade terrível de ter perdido o dom, de ter perdido a genialidade. Esse, ao meu ver, é o ponto crucial e mais dolorido do espetáculo: um artista que é convidado a voltar à cena, mas ele próprio não sabe se vai conseguir executar o seu ofício.”

Sergio Roveri Autor de “Chet Baker - Apenas um Sopro”

Protagonista

O personagem revela-se muito caro para Miklos. “Entendo perfeitamente o que se passa com Baker nesse momento em que a autoconfiança não passa de uma armadilha”, observa. “Estou abstêmio há 10 anos e, desde então, tenho mais consciência dessas falsas certezas.”

Miklos não chega a tocar o trompete no espetáculo. “Sempre me pareceu cruel exigir de um ator ou músico a mesma genialidade de Chet Baker ao tocar; as comparações seriam inevitáveis”, conta Roveri.

Música

Não se trata, porém, de uma peça sem músicas. O improviso do jazz pontua o espetáculo e os grandes momentos estão reservados para as canções “Old Devil Moon” – em magnífica performance de Anna Toledo – e, claro, “My Funny Valentine” – uma das mais idolatradas do repertório de Baker, cantada por Miklos.

“A voz, nessa peça, tem a contundência de uma flechada”, explica Jardim. “Encanta ao mesmo tempo em que provoca espanto.”

Ele acerta no ritmo e na encenação. Joba, por exemplo, é perfeito na abertura do espetáculo. Os personagens são como um espelho do próprio Chet: talentosos, mas já conheceram dias melhores. A situação da peça não ocorreu na vida real, tampouco existiram o estúdio e os amigos de Baker. O trabalho do grupo, no entanto, faz pensar que poderia ter sido assim.

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