O casal de turistas Liisi Kula, da Eslovênia, e Carlos Graça, de Portugal, escolheu ver a performance itinerante “No coração das trevas – uma jornada mítica civilizada pelo Centro Cívico” porque o fato de ela não entender português seria irrelevante para acompanhar a atração. De quebra, eles conheceriam um pedaço de Curitiba – o trajeto entre as praças 19 de Dezembro e Nossa Senhora de Salete.
Acabaram levando de brinde um vislumbre da tensão política no estado, especialmente no ponto final, onde foi criada uma instalação visual composta por botas de soldado, cartazes alusivos à violência do 29 de abril de 2015 contra manifestação de professores, uma réplica da cabeça de um agente penitenciário ferido no rosto e áudios captados durante a chamada “batalha do Centro Cívico”, distorcidos e impressionantes.
“É uma forma muito interativa de apresentar a cidade”, resume Carlos, que é DJ e está passando 3 meses no Brasil.
O restante da performance, criada pelo grupo Salmonela Urbana em parceria com estudantes da Faculdade de Artes do Paraná, é igualmente crítico, mas não oferece o mesmo impacto que a instalação em memória das agressões do ano passado.
Em jaulas, três atores são expostos como “animais-executivos”. Diante da Fiep, Ana Ferreira grita “batemos as metas!” e mastiga copos de café. Em frente ao Banco Central, Tainá Roma conta moedas e as oferece aos passantes, para depois recuar e mostrar um cofre em formato de porquinho.
SERVIÇO
Direção de Lúcia Helena Martins
Início: Praça 19 de dezembro. Caminhada até a Praça Nossa Senhora de Salete
Dias 29 às 14h, 31 às 11h e 1º/4 às 13h. Entrada franca.
Na ação mais percebida pelos passantes, João Muniz, igualmente engravatado, amarrotava uma centena de papéis espalhados em frente ao Fórum Cível – não poucos frequentadores do prédio, advogados e estudantes, acreditaram tratar-se de um protesto isolado de alguém da classe jurídica contra uma sentença perdida. “Me identifico com ele. Acabo de perder uma causa que tinha tudo para ganhar”, disse um advogado que passava pelo local.
Mapa
Durante a breve abertura interativa na Praça 19 de Dezembro, os espectadores têm seus cérebros medidos com fita métrica – uma alusão à técnica da frenologia, introduzida pelo médico alemão Franz Joseph Gall no século 19, com o objetivo de determinar o caráter das pessoas e sua inclinação para a criminalidade. Os participantes também recebem um mapa da Avenida Cândido de Abreu no estilo mapa do tesouro. Nas indicações e ironias propostas como brincadeiras a serem seguidas,o grupo incluiu uma crítica à arquitetura do Centro Cívico.
“Percebemos que as instituições presentes no trajeto reforçam o regime do trabalho como instâncias da ‘ordem e progresso’”, conta a diretora Lúcia Helena Martins. Da ideia de trabalho como opressão e instância de uso do poder veio o título da performance, que cita o livro de Joseph Conrad, de 1899, passado na brutal caçada pelo marfim no Congo.
“Os prédios dessa rua são instrumentos do neocolonialismo”, afirma Lúcia, citando o exemplo do obelisco da Praça 19 de Dezembro, que ela considera uma cópia do Washington Monument, obelisco que integra o Capitólio norte-americano, em Washington DC.
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