A 25ª edição do Festival de Teatro, que terminou neste domingo, trouxe à cidade uma fatia representativa do teatro experimental nacional. E quem deu preferência a essas peças, que compunham cerca de dois terços da grade – fruto da mudança de curadoria –, viu um “teatro sujo”.
Explica-se: trata-se de peças de grande exposição dos atores, com muita nudez e experimentos com o próprio corpo. Entre os destaques mais apreciados, conforme depoimentos ouvidos pela reportagem antes e depois de nove espetáculos da mostra contemporânea (composta por 34), esteve “Batucada”, em que um grupo de 30 atores e bailarinos comanda uma espécie de ensaio de escola de samba. Até o momento em que todos tiram a roupa, bem próximo do público, saem do teatro e deitam-se de bruços no petit-pavê do Largo da Ordem.
Para o público especializado, “O Confete da Índia” representou uma quebra ainda mais profunda de limites, já que o performer André Masseno interage com a própria urina.
Apesar de envolver nudez e o toque no corpo do ator, “La Bête” revelou-se mais sutil, um espetáculo-congraçamento. Tratou-se de uma experiência de Wagner Schwartz em que ele manipula uma escultura de Lígia Clark, e depois convida o público a fazer o mesmo com ele próprio. Vencido o medo da interação, do meio para o fim as pessoas já ficavam de pé esperando a vez de moldar a próxima posição do rapaz.
Uma estreia nacional das mais aguardadas pelo público que segue o teatro contemporâneo no país foi “Vaga carne”, em que a atriz Grace Passô (ou “monstro da atuação”, para os íntimos) está sozinha em cena e também assina o texto. Em dado momento, ela utiliza um cano para extrair um óleo negro como se fosse de seu corpo – em sintonia com outros espetáculos que lidam com podridões internas e externas.
Foi o caso de outra produção bem diferente, “Caranguejo Overdrive”, premiado com o Shell-Rio de Janeiro e que, em Curitiba, deixou o público em polvorosa com a batida de música ao vivo do que eles chamam de “musical do manguebeat”. Numa caixa de areia, o ator Felipe Marques cobre o corpo com lama, simulando os crustáceos homenageados e presentes numa gaiola. Ele fica imóvel por muitos minutos e, quando a cena faz esperar uma fala raivosa relacionada à crueza da vida dos habitantes do mangue, diz: “Vocês acham que é fácil ficar aqui parado?”
O Festival em detalhes
- A mudança de curadoria, que refrescou a grade de peças com novidades
- A inclusão de 4 atrações locais na mostra principal
- A realização de debates com o público em que muita gente ficava depois das peças para fazer perguntas aos artistas
- A realização de peças do Fringe nos terminais de ônibus
- O preço alto do ingresso (na mostra principal, R$ 70 a inteira, mais taxa)
- A queda de público em cerca de 10% em relação a 2015, com 180 mil espectadores
- O rompimento do Festival com o DiskIngresso deixou Guairão e Guairinha praticamente fora do Festival
- O cancelamento de “Cidade vodu” a poucos dias do início do Festival
- O descasamento das legendas na estreia da uruguaia “Tebas Land”, quando mais de 20 pessoas deixaram o Teatro da Reitoria
De pequenos sustos como esse foi feita essa edição do Festival.
Cena local ganhou visibilidade
- Helena Carnieri
Como acontece todo ano, os críticos nacionais dedicam parcela significativa de sua atenção às propostas mais inovadoras dos artistas locais. O burburinho dessa vez concentrou-se na “Curitiba Mostra”, que trouxe quatro estreias relacionadas a escritores paranaenses em encenações bastante inventivas.
Na mostra principal, duas estreias também divulgaram a cena de Curitiba. “Nuon”, do grupo Ave Lola, faz um recorte visualmente riquíssimo do Camboja debaixo do regime opressor do Khmer Vermelho. O espetáculo continuará em cartaz até o fim de maio.
“La cena”, nova produção do grupo Guaíra G2, também estreou na mostra, fazendo uma irônica mixagem de diversos balés clássicos.
Um espetáculo que voltou ao cartaz no Fringe e atraiu a atenção de críticos foi “Artista de Fuga”, de Marcos Damaceno. “Poderia ser apenas um espetáculo sobre a angústia do criador diante da página em branco, tema já muito explorado”, pondera a crítica Beth Néspoli. “Mas o tratamento cênico, os recursos que o grupo possui e o modo como os elabora ampliam as possibilidades de sentido”, acrescenta. Outro bom trabalho de atuação listado por ela foi “Tempos de Cléo”, em que a atriz Márcia Costa se apresenta na rua como uma pedinte com muitas histórias para contar.
A “apoteose” do teatro curitibano neste Festival foi a conclusão do projeto “Iliadahomero”, que encenou os 24 cantos sobre a Guerra de Troia durante uma maratona de 24 horas que atraiu não apenas especialistas no teatro clássico, mas também o público em geral.
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