A companhia Vigor Mortis aprofunda sua relação com as histórias em quadrinhos a partir da próxima sexta-feira (26) com a estreia de “Lobos nas Paredes”, adaptação para o palco da obra de Neil Gaiman com desenhos de Dave Mckean. A versão cênica do livro (que saiu no Brasil como “Os Lobos Dentro das Paredes”) marca ainda a primeira atração infantil do grupo de Paulo Biscaia Filho, tendo como protagonista Uyara Torrente, vocalista d’A Banda Mais Bonita da Cidade.
Ele prefere o termo “para todas as idades”, visto que a trama, ainda que curta, é repleta de possíveis interpretações relacionadas à violência, repressão, ditaduras, exílio, enfim, aquilo que o espectador mandar.
“Esse livro me pegou porque o leio para minha filha desde que ela tinha 2 anos”, conta o diretor. “Comprei com super segundas intenções... e no fim ela amou.”
Talento para o pastiche
O britânico Neil Gaiman costuma contar entre suas influências desde a infância as obras de C.S. Lewis, J.R.R. Tolkien e Edgar Allan Poe
Leia a matéria completaAs crianças costumam receber a obra com certo receio – motivo pelo qual a filha de Biscaia costumava pedir que ele “não lesse muito alto”. Afinal, o lobo retratado aqui não é aquele desengonçado de Os Três Porquinhos que acaba entalado na chaminé. Repleta de mistério, a trama apresenta a menina Lucy, que é a única em sua casa a ouvir barulhos por trás das paredes. E ela tem certeza de que são lobos. Mas, quando confessa à mãe seu achado, esta retruca com a “lógica dos adultos”, nas palavras de Biscaia. “Não são lobos. Porque se os lobos saírem de dentro das paredes, tudo estará acabado. Todos sabem disso.”
Realizando o pior medo da garota, os animais efetivamente invadem a casa, e a família é obrigada a fugir. Mas a própria Lucy propõe um desfecho tranquilo para o caso.
Não são lobos. Porque se os lobos saírem de dentro das paredes, tudo estará acabado. Todos sabem disso.
Encenação
No desafio de transpor a obra visual bidimensional para a encenação com atores, Biscaia decidiu não “recriar” os desenhos no palco. Para ele, a história de Gaiman pedia uma montagem à Luis Buñuel, mestre do expressionismo no cinema, em que o suspense se dá em meio a situações absurdas.
Com um viés absolutamente não realista (mais ainda do que seus trabalhos costumam ser), algumas escolhas da montagem lembram a obra-fonte. Por exemplo, os figurinos, que remetem aos desenhos de Mckean como inspiração.
Guairinha (R. XV de Novembro, 971), (41) 3304-7982. Vigor Mortis. Dia 26 às 20h, 27 às 16h e 20h e 28 às 11h e 18h. Até 2 de julho. R$24 e R$12 (meia). Classificação indicativa: livre. Mais informações no Guia.
Uma característica que difere um pouco das peças anteriores da Vigor Mortis é uma certa quebra de simetria – além, é claro, da opção por não haver esfaqueamentos, sangue cênico jorrando da jugular, operações malsucedidas no cérebro e outros horrores frequentes nos trabalhos do grupo. Uma diferença em relação ao livro foi que a cena permitiu expandir a personalidade dos personagens, que ganham histórias próprias. O pai, por exemplo, se torna um intelectual um pouco desconectado da vontade de seus filhos. Os atores, conforme conta Biscaia, entraram no jogo com bastante empenho e vontade de se divertir. Além de Uyara, estão em cena Guenia Lemos (mãe), Luiz Bertazzo (pai), Michelle Rodrigues (lobo), Renato Sbardelotto (lobo) e Lucas Ribas (irmão).
Existe um narrador que é alternado entre os atores, escolha que trouxe dramaticidade, conforme Biscaia. Michelle também interpreta um personagem maluco, a rainha da Melanésia, que surge no meio das falas para dizer coisas sem sentido. Em meio a tudo isso, os músicos Demian Garcia e Denis Nunes tocam ao vivo em cena, com destaque para a “Canção para o Porquinho.”
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