"Sim, eu estou cansado, mas não pra dizer/ Que eu estou indo embora/ Talvez eu volte, um dia eu volto, quem sabe...". A música "Vapor Barato", de Jards Macalé e Wally Salomão, cantada pela atriz Fernanda Torres (intercalada com a versão clássica da canção, defendida por Gal Costa) na seqüência final de "Terra Estrangeira" (1995), marca uma das mais belas cenas do cinema brasileiro recente. O filme de Walter Salles e Daniela Thomas ganhou no final do ano passado um DVD especial comemorativo de dez anos de lançamento, já disponível nas locadoras.

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"Vapor Barato" se encaixa perfeitamente no que os cineastas pretendiam retratar no filme: o sentimento de desalento com o Brasil no início dos anos 90, quando o então presidente Fernando Collor praticamente acabou com a produção nacional de cinema. Para Salles, foi uma época de desgoverno (como define nos extras do DVD), quando muitos brasileiros resolveram emigrar do país.

É que acontece com a personagem Alex (Torres) e seu namorado Miguel (Alexandre Borges), que estão morando em Portugal no começo da história. Ao mesmo tempo, no Brasil, o jovem Paco (Fernando Alves Pinto) vive com a mãe Manuela (Laura Cardoso) e prepara-se para um teste de ator em uma peça. A divulgação do pacote econômico do início da gestão Collor – com o famoso confisco do dinheiro do povo brasileiro – tem dimensões trágicas para a família de Paco, envolvendo-o em uma seqüência de acontecimentos que acabam por levá-lo a Portugal, onde cruza o caminho de Alex. A desorientação e a perda de identidade são sentimentos constantes dos personagens da trama.

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O argumento da história vem da imagem que virou símbolo do filme: o casal Alex e Paco à frente de um navio enferrujado e encalhado na beira do mar – "Eu vou tomar aquele velho navio/ Aquele velho navio/ Eu não preciso de muito dinheiro/ Graças a Deus", como mais uma vez lembra "Vapor Barato". O mais interessante é saber que foi Fernanda Torres – em ótima atuação, assim como o parceiro Alves Pinto – que notou os paralelos da música com a história, como é revelado por Salles e Thomas na entrevista dos extras, em que relembram o período de realização do trabalho. A canção não estava no roteiro da produção, que por sinal foi sendo realizado e alterado durante as filmagens.

"Terra Estrangeira" é o segundo longa-metragem dirigido por Walter Salles, mas o diretor o considera o primeiro de verdade – a experiência inicial com o internacional "A Grande Arte" (1991) não é muito reconhecida pelo cineasta brasileiro. Alguns dos elementos de sua cinematografia futura de sucesso (com "Central do Brasil", "Abril Despedaçado" e "Diários de Motocicleta") já estão inseridos na produção, como fazer os personagem passar por uma jornada (geralmente uma viagem) para se descobrir.

Realizada com poucos recursos (US$ 300 mil), a fita destaca-se também pela excelente fotografia em preto e branco de Walter Carvalho, em um dos primeiros trabalhos que o tornariam o principal nome do cinema brasileiro na área.