Os filmes feitos para adultos não são mais para gente tão grande assim. Observar o cinema popular dos últimos 35 anos é fazer um caminho que vai da violência por vezes implícita e psicológica de O Poderoso Chefão e O Exorcista até a fantasia reconfortante das séries Harry Potter e O Senhor dos Anéis. Nos cinemas, os anos 70 e 80 não ignoravam as crianças (pelo contrário), mas também reservavam espaço aos gêneros e subgêneros chamados "adultos". O filme policial, tão característico dos anos 80, hoje está quase morto, renegado ao gênero B de baixo orçamento.

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Zito Alves Cavalcanti, que trabalha há 40 anos nas salas de cinema curitibanas, disse certa vez que "se um filme mostra uma mulher nua correndo e faz bilheteria, haverá dezenas de outros filmes mostrando mulheres nuas correndo". O tempo das mulheres nuas passou, isso é certo, mas o princípio ainda vigora. Seja pelo crescente moralismo politicamente correto – Marcas da Violência, de David Cronenberg, é talvez o único filme exibido em multiplexes com personagens crescidos e uma cena tórrida de sexo – e os "grandes lançamentos" quase invariavelmente representam o mundo e os homens de maneira e infantilizada e assexuada, visando tanto o público adulto como o infantil. O cineasta brasileiro Beto Brant disse que "quem olhar os nossos filmes daqui a 50 anos, vai pensar que nós não fazíamos sexo".

Não é estranho, portanto, entender o raciocínio cartesiano de executivos que, face ao sucesso de O Senhor dos Anéis, querem entrar na onda revivendo a obra do escritor Clive Staples Lewis. Ele foi amigo de John Ronald Reuel Tolkien (J. R. R. Tolkien), autor de O Senhor dos Anéis, e, assim como o colega, encantava-se com fadas, mitos e lendas antigas. Entre 1950 e 1956 escreveu sete histórias, conhecidas como As Crônicas de Nárnia. A primeira delas, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa, foi adaptada para o cinema pelas mãos de Andrew Adamson, diretor de Shrek e Shrek 2, a um custo estimado de US$ 150 milhões. O filme estréia dia 9 no Brasil.

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O livro narra as aventuras dos irmãos Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia, que se refugiam na casa de um professor, ao abandonar a Londres castigada por bombardeios, durante a Segunda Guerra Mundial. A turma encontra um guarda-roupas que os conecta com o mágico mundo de Nárnia. O novo mundo é castigado pelo inverno decretado pela feiticeira Branca Jadis e povoado por figuras fantásticas, como anões, algumas figuras mitológicas e animais falantes. O leão Aslan é o mais famoso deles. Ele se junta aos quatro irmãos londrinos para combater a bruxa.

No entanto, quem abrir o volume único de 750 páginas que a Martins Fontes lança este mês, vai começar a leitura pelo conto O Sobrinho do Mago, escrito em 1955. A ordem de leitura tornou-se motivo de argüição depois de uma declaração do próprio C.S. Lewis. "Quando escrevi O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa, não sabia que escreveria mais volumes. Estava errado", registrou o autor em resposta a uma fã norte-americana, em 1957. No mesmo texto, ele achou oportuna a leitura dos textos na ordem internamente linear e cronológica, o que levou a editora americana Harper Collins a renumerar as obras pela nova seqüência – O Sobrinho do Mago em primeiro lugar. A medida revoltou os fãs que preferiam conhecer Nárina no primeiro volume para descobrir as explicações de seus encantos somente depois. A Walt Disney Pictures, optou pela ordem de publicação das histórias.

Muito do imaginário presente nas sete histórias é regido por valores cristãos. A obra é freqüentemente lida como uma metáfora do próprio cristianismo. No entanto, nem no livro ou no filme existem referências religiosas explícitas, o que tornou a obra popular também entre o público não-cristão. C.S. Lewis declarou que jamais pretendeu escrever um obra de cristianismo para crianças. Mesmo assim, alguns artistas gospel estão capitalizando a partir do revival do autor. É o caso do disco gospel americano Music Inspired by the Chronicles of Narnia (música inspirada em As Crônicas de Nárnia), uma coletânea de músicas religiosas. Resta ler o livro, ver o filme, e ver o que sobra de tudo isso (para um adulto).