Distorção
Confira os principais equívocos que a televisão comete ao tratar da diversidade de gêneros:
Redução
Um evento capaz de atrair mais de três milhões de pessoas, como a Parada Gay de São Paulo, é quase sempre retratado de forma reducionista apenas pelo aspecto pitoresco (drag queens caricatas), numérico (quantidade de pessoas) ou econômico (o impacto da manifestação no comércio e na rede hoteleira). Não há a preocupação em mostrar o objetivo da Parada, as reivindicações da comunidade ou o lado humano dos participantes.
"Contaminação"
Muitas vezes a mídia se apressa em associar as manifestações homossexuais com fatos negativos. A cobertura da Parada Gay paulista de 2007 teve três exemplos: a depredação de lojas da Avenida Paulista, promovida por punks; a responsabilização por uma cartilha que orientava usuários de drogas injetáveis a não compartilhar seringas (produzida e distribuída pelo Ministério da Saúde), e o assassinato de um turista francês (que, soube-se depois, nem sequer tinha participado do evento).
Preconceito
No extinto programa Beija Sapo, apresentado por Daniela Cicarelli na MTV que teve a edição gay analisada por Irineu Ribeiro , ao ouvir um participante dizer que era "para casar", a apresentadora emendou: "Preparem o véu e a grinalda!". Ou seja, ironizou o rapaz que desejava outro homem, atribuindo-lhe uma condição feminina.
Ridicularização
No quadro "Cara/Crachá" do dia 6 de maio de 2006, estrelado por Paulo Silvino no Zorra Total, o porteiro Severino debocha dos trejeitos do diretor, a quem acusa de incorporar uma "bichona de Carmem Miranda". Portanto, homens que fogem aos padrões masculinos estabelecidos são desqualificados, e mais uma vez têm a imagem associada à figura feminina. Além da homofobia, manifesta uma misoginia embutida.
Alarmismo
Em uma edição do extinto programa Sob Nova Direção, descrita no livro, um jovem gay ameaça se matar depois de saber que o pai vem visitá-lo por medo de que ele descubra sua orientação sexual. A sugestão da morte como solução para o enfrentamento de um problema familiar traduz um drama do universo gay de forma exagerada e irrealista.
Marginalização
Em 2005, o primeiro beijo gay da teledramaturgia brasileira bateu na trave, no último capítulo da novela América, entre os personagens Zeca (Erom Cordeiro) e Júnior (Bruno Gagliasso). A autora, Glória Perez, chegou a admitir que o beijo seria veiculado, mas no fim ele ficou apenas subentendido. Para Irineu Ribeiro, mesmo quando os personagens gays têm visibilidade e são bem aceitos pelo público, como neste caso, eles sempre ficam à margem da história principal como se fosse uma concessão da sociedade heterocentrada. "Queria ver um gay protagonizar uma novela", dispara o autor.
À primeira vista, parece que nunca a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) esteve tão bem representada na telinha. Em praticamente todas as novelas há pelo menos um personagem homossexual quase sempre recebido com simpatia pelo público , assim como nos humorísticos e até nos reality shows; no jornalismo, eventos como a Parada Gay de São Paulo (que no início do mês reuniu mais de 3 milhões de pessoas na Avenida Paulista) ganham ampla cobertura da mídia, e os representantes do movimento são fontes recorrentes para entrevistas.
O que poderia parecer um sinal de tolerância e simpatia, quando observado mais atentamente, porém, se revela mais um instrumento para garantir e perpetuar a dominação da maioria heterossexual sobre quem não se encaixa nesse modelo camuflado pelo verniz do politicamente correto. É o que demonstra o jornalista Irineu Ramos Ribeiro no livro A TV no Armário (134 páginas, R$ 31,90), lançado no início do mês pela Edições GLS.
Versão ampliada da dissertação de mestrado em Comunicação pela Universidade Paulista (Unip), defendida pelo autor em 2008, o livro parte de um minucioso levantamento da cobertura jornalística da edição de 2007 da Parada do Orgulho Gay de São Paulo na tevê aberta (mais os canais pagos Globo News e Band News) e se estende à abordagem das diferenças de gênero em programas de humor, entretenimento e nas telenovelas.
Em dois anos de pesquisa, balizada pelo pensamento de Michel Foucault e pela teoria queer (do "estranhamento", descrita na livro), Ribeiro chegou à conclusão de que, apesar de todo o discurso politicamente correto e do alardeado respeito à diversidade, a televisão continua desqualificando a comunidade LGBT, ao mostrar gays, lésbicas, travestis ou transgêneros de forma caricata, superficial, deselegante e/ou preconceituosa.
E o pior é que, aparentemente, nada mudou desde a gestação da obra. Se em 2007 a cobertura jornalística da Parada Gay de São Paulo descrita por Ribeiro no livro já foi lamentável, a de 2010 foi "medonha": "A tevê aberta se limitou a mostrar uma caricatura do gay: só apareciam drag queens e travestis fazendo caretas", comentou o autor em entrevista à Gazeta do Povo. "Essa abordagem caricata é uma forma de dominação. Mostrar um gay exatamente igual a mim incomoda as pessoas, por isso eu preciso desqualificá-lo."
Sob Nova Direção (Globo) e Beija Sapo (MTV), dois dos programas analisados e que também escorregaram feio no tratamento destinado aos homossexuais, não são mais exibidos. Assim como a novela América, que segundo Ribeiro apelou para o sentimentalismo e perdeu a chance de mostrar um romance gay com mais naturalidade. Mas os deslizes continuam ocorrendo em diversas outras atrações, incluindo a última edição do Big Brother Brasil, apelidada de "BBB da diversidade" por ter três homossexuais entre os participantes. Entretanto, quem faturou o prêmio de US$ 1,5 milhão foi o "machão" Marcelo Dourado, que diversas vezes teve um comportamento homofóbico.
"A ideia em si, de colocar três gays no BBB, foi muito interessante", analisa Ribeiro. "Mas eles foram podados o tempo todo. Como naquele episódio da mesa, quando o Dourado levantou e disse que ia vomitar porque o Serginho estava falando de homem. Na sequência, ficou acertado que Serginho e Dicésar não falariam mais de homem à mesa, e em contrapartida Marcelo Dourado deixaria de arrotar... percebe o absurdo? Associar uma questão afetiva dos gays com algo tão repugnante quanto um arroto?"
Um oásis de tolerância e respeito com o gay na mídia é representado pelo jornalista Caco Barcellos, da Rede Globo uma edição do seu Profissão: Repórter foi o único programa elogiado no livro de Ribeiro. "É um profissional a ser imitado pelos colegas, pela abordagem séria, criativa e respeitosa", resume o autor. "E tem outra grande qualidade: deixa a fonte falar, não sai com a pauta fechada da redação, como mostrou num programa recente sobre as famílias de homossexuais."
Segundo Irineu Ribeiro, a televisão ainda tem um longo caminho a percorrer, se quiser retratar a diversidade sexual de forma mais adequada. "Meu objetivo com o livro foi levantar a discussão, questionar a abordagem feita pela mídia. Repensar essa abordagem precisa ser um exercício diário, que pode começar escolhendo-se melhor os profissionais que vão falar de sexualidade na televisão."
Serviço
A TV no Armário. Edições GLS, 134 páginas, R$ 31,90.
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