Semelhante a um daqueles sonhos em que se revive as mesmas situações inúmeras vezes, algumas montagens são recorrentes no Festival de Teatro de Curitiba. Passam os anos e você consulta a programação e estão lá Molière, Goethe, Beckett, Brecht, Plínio Marcos. Todos autores inevitáveis. No topo dessa lista, está William Shakespeare (1564 – 1616), cujas peças apareceram no primeiro FTC, estão neste 15.º (Noite de Reis, Romeu e Julieta e duas versões de Otelo) e estarão no 30.º. Mas Shakespeare é hors-concours.

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Um caso curioso é o do francês Jean Genet (1910 – 1986). O texto na origem de As Criadas já serviu de base para ao menos cinco espetáculos nesta década – duas só no ano retrasado. Nilceu Bernardo é responsável pela direção da versão que tem apresentações na Sala Londrina até o próximo domingo. Mas qual é o fascínio suscitado pela história do assassinato de uma madame e de sua filha pelas duas criadas da casa?

"O texto de Genet é muito forte e, em termos de dramaturgia, já está estabelecido", diz Anna Zétola, diretora de um dos dois espetáculos inspirados em O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, em cartaz no FTC. Anna enumera várias razões além da qualidade dramatúrgica e destaca as dificuldades suscitadas pelos direitos autorais ("As companhias buscam textos de domínio público que possam ser montados") e a ausência de autores contemporâneos bons. Ou pior, a falta de acesso ao trabalho de novos autores. Problema que, para Anna, poderia ser diminuído com a criação de cursos e concursos capazes de inspirar e preparar esses escritores.

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"Quando a gente vê tanta reprodução de clássicos, pode pensar ‘ninguém está escrevendo nada novo’", diz Andrei Moscheto, do grupo Antropofocus, autor e diretor de Dimensão Desconhecida – Episódio I: Edifício Plaza, em exibição no Teatro Regina Vogue. Ele também reconhece a dificuldade de se encontrar textos de novos autores, e ressalta a quase inexistência de publicações do gênero. "Não existe nenhuma difusão", lamenta. Pode haver exceções que confirmem a regra, como a série de textos teatrais editados pela Peixoto Neto.

Moscheto lembra o que um amigo disse enquanto assistiam à apresentação de uma comédia na semana passada: "Vi aquela gag umas 42 vezes em outras peças". Ainda que, para ele, a piada não fosse nova, boa parte do público estava se divertindo com ela. O diretor conclui que "algumas histórias valem a pena serem recontadas", qualidade comum aos textos considerados clássicos.

"Você sabe qual é o texto mais encenado no teatro brasileiro?", pergunta Moscheto ao jornalista. "É uma obra de circo-teatro, ... E o Céu Uniu Dois Corações". O texto de Antenor Pimenta aparece na Mostra Oficial deste ano, em montagem da Companhia Teatro Sim... Por Que Não?!!! Sua referência para tal afirmação é o professor Rubens Brito, do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Campinas (Unicamp). O título de "texto mais encenado do Brasil" se deve-se em parte ao fato de trupes circenses manterem o espetáculo em seus repertórios.

Outras questões, mais práticas, também influenciam. Para citar mais uma vez Genet, As Criadas é uma peça que necessita de poucos atores. Em uma viagem de São Paulo para Curitiba, levar meia dúzia de profissionais é mais simples e barato para um grupo de teatro do que carregar o elenco completo de Hamlet, que pode mobilizar mais de 20 atores. Essa observação, ressalta Moscheto, fica no "chutômetro". "Fim de Partida (de Samuel Beckett) também precisa de poucos atores, mas não parece ser tão adaptada quanto poderia", analisa.

Também no universo dos "achismos", percebe-se que a bibliografia de Shakespeare, apesar de ser livre de direitos autorais, talvez seja pouco encenada – porque não é qualquer um que consegue adaptar seus textos.

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O diretor do Antropofocus lembra um fator que, sozinho, pode justificar o retorno a certas obras, clássicas ou não: o pedigree. "O texto é capaz de dar notoriedade à produção, pois é sinônimo de ‘escolha inteligente’", diz. Você pode ser um ator desconhecido de um grupo idem. Porém, se decide montar algo de Nelson Rodrigues ou Molière, é bem provável que o espetáculo não passe despercebido.