Tímido, mas brilhante

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Chico Buarque, que costuma refutar o rótulo de "moço tímido" desde a juventude, acabou confirmando a fama de introspectivo na estréia de seu novo show, o belo Carioca, que aconteceu quarta-feira passada na casa de espetáculos paulista Tom Brasil, em São Paulo.

Ao longo de toda a apresentação, de mais de duas horas, o compositor mal pronunciou três ou quatro frases fora do roteiro e pouco interagiu com o público. Deixou que as 30 canções escolhidas para o repertório falassem por si sós. E o objetivo foi atingido.

A exemplo do disco que dá nome ao espetáculo, lançado neste ano pela gravadora independente Biscoito Fino, trata-se de um show "para dentro", contido e minimalista tanto do ponto de vista visual quanto sonoro. O cenário de Hélio Eichbauer reproduz em três dimensões um desenho no qual o mestre Villa-Lobos traça, numa espécie de esboço, o impressionante relevo montanhoso da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro.

Assim como o tom presente no CD, são poucas as canções escolhidas para o show que têm o perfil "levanta povo", para cantar junto. Talvez, por conta dessa característica, tivesse sido melhor assisti-lo em um espaço mais intimista, como um teatro, onde o vai-e-vem de garçons, garrafas e petiscos não interferisse tanto na concentração do público, cuja adoração explícita por Chico, uma das poucas unanimidades brasileiras, pode, sim, comprometer a absorção da beleza e complexidade de várias das músicas, especialmente as mais recentes.

As quase 30 composições presentes no show, substituindo possíveis "conversas" de Chico com a platéia, se abrem como as páginas de um livro, brotando umas das outras, fazendo lembrar aquelas bonecas russas. Há associações de temas, melódicas ou de palavras, mas esse artifício não é empregado de forma simplista – ou gratuita –, com o fim de contar uma história. Quem leu Budapeste, último romance de Chico, vai identificar esse recurso, que transforma o roteiro do show numa quase narrativa. tortuosa e nem sempre festiva, mas sempre de alguma forma tocante. O Chico mais óbvio e lírico, aquele de clássicos infalíveis como "Quem Te Viu, Quem Te Vê", "João e Maria" ou "Deixa a Menina", é sabiamente deixado para o bis, momento no qual o culto ao compositor popular se transforma em espetáculo à parte e permite que todos saiam do show de alma lavada. Mas Carioca não é isso.

Além do repertório mais recente, Chico Buarque surpreende ao sacar da cartola canções compostas para o balé O Grande Circo Místico ("A História de Lily Braun", "A Bela e a Fera" e "Na Carreira", todas composta com Edu Lobo) e títulos menos conhecidos do grande público, como "Dois Irmãos", "Ela É Dançarina" ou "Já Passou". E mesmo quando surpreende com algo mais "povão", como "Morena de Angola" (sucesso na voz de Clara Nunes), ele o faz de seu jeito acanhado e charmoso. Nada mais adequado. GGGG

O jornalista viajou a São Paulo a convite da Tim, um patrocinadores da turnê de Chico Buarque.