Nelson Pereira dos Santos: “experiência religiosa”| Foto: Divulgação

Serviço

A Luz do Tom. Brasil, 2013. Direção de Nelson Pereira do Santos. Em cartaz na sala 1 do Espaço Itaú de Cinema (Shopping Crystal), às 13h40, 15h30 e 17h20. GGG1/2

DVD

A Música Segundo Tom Jobim. Brasil, 2012. Direção de Nelson Pereira dos Santos. Sony Pictures. Preço médio R$ 39,90. GGGG

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Ana Beatriz Lontra: parceria até o fim da vida do artista
Filme é baseado em biografia escrita pela irmã de Tom, Helena jobim
Thereza, a primeira esposa: depoimentos emocionadíssimos
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O mesmo parteiro que trouxe Noel Rosa ao mundo, em 11 de dezembro de 1910, se ocuparia, 16 anos e 45 dias mais tarde, do nascimento de outra figura fundamental para a história da música popular brasileira: Tom Jobim. Quem conta essa história é Helena Jobim, irmã do compositor de "Corcovado" e "Garota de Ipanema" e autora do livro Antônio Carlos Jobim – Um Homem Iluminado, biografia do compositor carioca que serve de base para o documentário A Luz do Tom, que estreou na última sexta-feira em Curitiba, no Espaço Itáu de Cinema.

O filme dá continuidade a A Música Segundo Tom Jobim, lançado ano passado com calorosa acolhida da crítica especializada, que festejou a opção do diretor Nelson Pereira dos Santos de abrir mão de recursos mais tradicionais do gênero, como narração em off e depoimentos, para reconstituir a trajetória de seu personagem a partir apenas de suas criações musicais, encadeando, cronologicamente, suas composições, organizadas em três temas centrais, e essenciais à vida de Tom: "O Amor", "A Natureza" e "O Rio de Janeiro".

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Mas A Luz do Tom não segue esse mesmo caminho, pelo contrário. O filme aposta na palavra, a partir da memória afetiva, materializada nos relatos de três mulheres muito importantes na vida do músico: a irmã Helena; a primeira esposa, Thereza de Otero Hermanny; e a segunda mulher do artista, a fotógrafa Ana Beatriz Lontra, que também foi integrante do conjunto que o acompanhava no trecho final de sua carreira, a Banda Nova.

Dois filmes

Pereira dos Santos, hoje com 84 anos, é um dos fundadores do Cinema Novo e diretor de clássicos como Vidas Secas (1963) e Memórias do Cárcere (1983). Em entrevista concedida à reportagem da Gazeta do Povo, por telefone, de sua casa, no Rio de Janeiro, o cineasta conta que tinha o projeto dos documentários desde meados da década passada. "Como a vida e a obra de Tom são muito ricas, sabia que um filme só não iria dar conta de tudo. E o público de hoje não tem lá muita paciência para obras muito longas. Assim, decidi fazer dois filmes, um centrado na música e outro na história pessoal e profissional."

A Música Segundo Tom Jobim, que acaba de ser lançado em DVD, teria, conta o diretor, uma narração, que ganharia a voz do amigo e parceiro Chico Buarque. Mas, à medida em que o filme começou a ganhar corpo, por meio da costura das imagens musicais, ele e Dora Jobim, neta de Tom e codiretora do longa, perceberam que o texto era desnecessário e as composições diziam tudo. "Inseri tomadas de uma carteira da faculdade onde o Tom estudou aqui, outra de uma pauta musical com a caligrafia dele ali. Coisas assim. E acho que deu certo. Nos Estados Unidos, um crítico importante elogiou o filme, dizendo que eu tinha conseguido fazer um documentário sem ‘cabeças falantes’ (talking heads, em inglês)."

Palavra

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Mas a palavra, até certo ponto desprezada em A Música Segundo Tom Jobim, é rainha em A Luz do Tom.

Pereira dos Santos gravou os depoimentos em locações que, de alguma forma, dialogam com o imaginário pessoal e criativo de Tom. Helena e suas lembranças, focadas na história familiar, infância e juventude do irmão, foram levadas a Florianópolis, que, segundo o diretor, se parece muito com o Rio de Janeiro dos verdes anos de Tom.

O roteiro, também assinado por Miúcha Buarque de Hollanda, grande amiga de Tom e irmã de Chico, levou Thereza, com quem Jobim se casou em 1949, a um sítio na Serra Fluminense, região da Mata Atlântica, pela qual o músico era apaixonado. Os depoimentos são emocionadíssimos – ela e Tom conviveram por muitas décadas, desde o namoro, ainda na adolescência, até os anos 80, quando se separaram. Tiveram dois filhos: Paulo e Elizabeth. Ela estava presente em momentos-chave da biografia do compositor, como o início da parceria com o poeta Vinicius de Moraes, a explosão da bossa nova nos Estados Unidos, o momento exato da criação do clássico "Águas de Março". Todos rendem histórias deliciosas.

Fecham o documentário as falas, igualmente tocantes, de Ana Lontra, com quem Tom se casou em 1986 e mãe de João Francisco, que morreu em 1998, quatro anos após a morte do músico, em Nova York, e Maria Luíza, hoje com 25 anos. O depoimento foi rodado em película 35mm, assim como os demais, no Jardim Botânico, que, segundo ela, era o quintal da casa do compositor e hoje abriga o Espaço Tom Jobim, memorial dedicado a sua vida e obra.

Pereira dos Santos diz que, para captar toda a emoção presente nas lembranças trazidas ao filme pelas três personagens, permitiu que elas falassem livremente, sem limite de tempo. "Tenho material filmado equivalente a 12 vezes o que foi incluído no filme. Tinha apenas a limitação dos rolos de película (de 10 minutos cada)."

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Sobre a experiência da rodagem, o diretor conta que há algo de espetáculo religioso no momento da filmagem de um documentário, quando tudo e todos se calam para dar voz à personagem que fala, e se abre para si mesma, para a câmera e para o mundo. Assim se fez A Luz do Tom.