Trecho de No Buraco, romance de Tony Belotto
"Fui ao Ponto Chic dar um tempo até a hora de pegar a Lien para o almoço. Bebi uns chopes e fiquei olhando a estátua de Casimito Pinto Neto, inventor do bauru, o sanduíche. Deve ser bom inventar alguma coisa, nem que seja um sanduíche. Lembrei do Elvis inventando o rock sem querer, no dia 5 de julho de 1954. Tentei escrever um conto sobre isso uma vez. O narrador, em primeira pessoa, é um técnico de som presente à sessão histórica em que o rock foi inventado. Seu nome é Jack. Pena que não tenha guardado nada do que escrevi. Estava começando com essa maluquice de escrever, então aquilo me incomodava como herpes. Escrevia onde dava, mesmo que estivesse no apartamento de uma namorada ninfomaníaca que só pensava em copular."
Teo Zanquis, narrador de No Buraco, não é o alter ego de Tony Bellotto. Guitarrista de uma banda oitentista de um único sucesso, promíscuo, pobretão e saudosista, Zanquis está na praia de Ipanema, com a cabeça enfiada na areia. Está na vala, no "hotel marmota", relembrando sua vida de falso ídolo.
Também autor de Bellini e a Esfinge, Bellini e o Demônio, Bellini e os Espíritos e BR 163, o guitarrista dos Titãs, em prosa rápida, pop e fresca, cria um personagem caricato, um cinquentão que revê suas aventuras e desventuras na época em que era guitarrista da banda Beat-Kamaiurá. O grupo, assim como o músico, nunca foi do primeiro time. Esteve sempre à margem, mas também sempre envolto pela aura que pensamos existir em torno de grandes rockstars: música, sexo e drogas.
O texto ágil revela um personagem no fundo do poço, que vislumbra uma velhice solitária e que rumina suas memórias nebulosas. Enquanto isso, ao mesmo tempo em que ele está com a cabeça enterrada na areia da praia de Ipanema, surgem pessoas distintas que o interpelam, de certa forma interrompendo suas lembranças. Há um, inclusive, defensor de palavras que tenham "u" muitas delas de cunho sexual que grita em seu ouvido. Mas Zanquis ouve mal, já que, como sabemos, está com a cabeça debaixo da areia.
O personagem-narrador pode ser um representante de muitos roqueiros decadentes que encostaram suas guitarras por aí. Zanquis lembra de seus discos clássicos em vinil, de Led Zeppelin a Jorge Ben. De suas aventuras sexuais com uma, duas ou três pessoas, não necessariamente do sexo oposto. Aliás, descrições de cenas picantes não faltam. E há muitos detalhes. Lembra também de "Trevas na Luz", o único hit da banda Beat-Kamaiurá. Dos primeiros shows do grupo, da mini turnê, dos quartos de hotéis, e do dia em que foi preso.
Apesar de ser um músico medíocre e frustrado "se não tiver o que solar, não sole", repete como um mantra a frase de Miles Davis , Zanquis é um cara sabichão, cheio de referências da cultura pop e de frases de efeito, que também funcionam como autodeboche. Na linha do escritor inglês Nick Hornby que também é mencionado no livro , há desde citações de Schopenhauer às demos gravadas pela banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju.
As lembranças começam a ganhar contornos decisivos quando Zanquis conhece uma coreana de 18 anos chamada Lien ele se sai bem com as mulheres. Decisivo na trama é o irmão da moça, um sujeito misterioso que carrega algo importante em seu pen-drive apelidado de cannoli. O nome remete a um doce siciliano e é uma referência ao filme O Poderoso Chefão, outra das sacadas do músico com a cabeça enfiada na areia.
Parece incrível, mas a partir deste momento, Tony Bellotto começa a discutir a indústria fonográfica. "Não são padres católicos os cantores que vendem mais CDs e DVDs hoje em dia no Brasil?", pergunta Zanquis a Tales Banabek, o "último grande produtor do rock brasileiro" que está, claro, em decadência.
Dotado de humor contundente a certa altura hilária do livro o narrador finge que morre e em outra abre um parênteses para explicar sistematicamente o que é um hostel , Tony Bellotto mimetiza, ainda que do avesso, a sua própria história. O desfecho do livro é tão surpreendente quanto a própria obra. GGGG
Serviço: No Buraco. Tony Belotto. Companhia das Letras. 256 páginas. R$ 43. Romance.
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