O desenho mostra a Terra, em meio ao universo, como se fosse uma bexiga inflada e amarrada com pedaço de barbante. No topo desse planeta-balão, existe um ser humano sentado, ouvindo a um programa de rádio que diz "Nações Unidas: hoje fracassaram novamente as negociações que pretendiam conseguir a abolição dos alfinetes".
O cartum é de Quino, argentino de Mendoza nascido em 1932, pai da personagem Mafalda e um dos desenhistas mais respeitados do mundo. Poucos conseguem ser engraçados e, ao mesmo tempo, melancólicos diante da realidade ela também, triste e engraçada. Joaquín Salvador Lavado faz isso com uma mão nas costas. O apelido Quino surgiu para não ser confundido com o tio Joaquín Tejón, pintor que levou o sobrinho a descobrir sua vocação a partir dos três anos de idade.
Depois de Toda Mafalda e de vários outros títulos, a Martins Fontes acaba de lançar Cada Um no Seu Lugar (128 págs., R$ 38,50), Deixem-me Inventar (96 págs., R$ 32) e Sim, Amor (80 págs., R$ 27,50), todos traduzidos por Monica Stahel, exemplos de uma das facetas mais elogiadas de Quino a de cartunista.
O chargista da Folha de S.Paulo Jean Galvão é um desses leitores que preferem os cartuns às tiras. É uma opinião que destoa da maioria. "Os cartuns são atemporais, mais engraçados, talvez por priorizar o humor sobre qualquer mensagem. É o trabalho mais ricamente desenhado, às vezes ocupando uma página inteira. Sinto que ele cria e desenha com mais calma e prazer", diz Galvão. O senso comum diz que a Mafalda, o equivalente feminino e latino-americano de Charlie Brown, é a obra pela qual Quino será lembrado.
"O Quino apontou caminhos, criou um estilo muito inspirador. Tem um poder de síntese incrível em seus cartuns. É o trabalho de um cartunista que reflete sobre o mundo e a vida, não apenas de alguém que tem que entregar um desenho no prazo", afirma Galvão. A preocupação com o mundo e com o que dele fazem orienta parte da produção do argentino. Quando fala do cotidiano das pessoas em suas profissões e situações bizarras como faz em Cada Um no Seu Lugar , consegue tratar de questões filosóficas. Um sujeito à beira do precipício, olhando para o céu com braços abertos, pergunta "Senhor! O que é a vida?". No quadro seguinte, aparece com olhar desconcertado e um monte de escrementos na cabeça cortesia de um pássaro do qual só se vê a silhueta.
"Ele lida com elementos perigosos como a amargura, a angústia, os medos e pesadelos do ser humano e transforma tudo isso, suavemente, em um humor sutil, leve, elegante. O Quino é pessimista e, por isso mesmo, engraçado. Mas eu acho ele genial mesmo por causa das mãos que desenha", explica Alberto Benett, cartunista e chargista da Gazeta do Povo. Para ele, Quino é capaz de passar idéias que ocupariam páginas de texto escrito com apenas um desenho.
"Gosto da simplicidade dele. Acho que é isso que o torna tão cotado", diz Otacílio Barros, o Ota, editor da revista Mad. O desenhista Laerte Coutinho, criador das tiras Deus e Homem-Catraca, admite que muitas vezes tentou copiar Quino e usou o argentino como inspiração para seguir caminho semelhante. "Mas não digo um dos melhores do mundo porque não acredito em rankings de humor nem de artes. Quino é um dos autores mais eficientes na tradução do seu tempo, da sua cultura, na linguagem do desenho de humor."
Muitos dos cartuns produzidos por Quino não têm legendas nem textos uma grande sacada, pois permite que eles sejam compreendidos em virtualmente qualquer lugar do mundo. Lançado como uma coletânea de obras pela primeira vez 1987, Sim, Amor fala sobre o universo do casamento e dos casais e é, dos três novos títulos que chegam ao mercado, o que mais tem textos eles aparecem em 15 das 70 páginas ilustradas do livro.
Deixem-Me Inventaré o melhor, porque não tem um tema em comum é Quino sem rédeas, testando os limites dos quadrinhos, do humor e do próprio livro. Alguns desenhos parecem conscientes do fato de habitarem um quadrinho. Há aquele que mostra um homem sentado em uma cadeira, observando o canto escuro do retângulo onde está. Intrigado, ele levanta e se dispõe a inspecionar o tal canto com um fósforo. A parte escura pega fogo e ameaça consumir todo o quadrinho. O homem corre como se a página estivesse em chamas, consegue apagá-las com um sopro, mas fica condenado a habitar o espaço em branco que restou, no retângulo quase todo preto. Por trabalhos assim, tentaram transformar Quino em exemplo de "profissão de arte". Ele não gostou.
No site www.quino.com.ar, o desenhista disse "me parece correto chamá-la de profissão, não sei se é justo usar a palavra arte. É o problema que têm todos os desenhistas. Talvez, no início, muitos gostariam de ser artistas. Mas arte, para mim, é algo que toca a pessoa profundamente. Nós podemos realizar coisas agradáveis, inteligentes, que fazem pensar, mas, em meus desenhos, não vejo nada que consiga tocar alguém realmente". É, possivelmente, a maior besteira que Quino falou na vida.
Pela capacidade de marcar seus leitores como poucos artistas conseguem, ele se tornou patrimônio nacional e ganha homenagens de todo tipo mês passado, foi inaugurada a Plaza Mafalda no bairro de Colegiales, em Buenos Aires. Os bancos e brinquedos infantis da praça têm reproduções de vários personagens: Susanita, Miguelito, Libertad, Manolito, Guille e, claro, Mafalda.
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