Rio de Janeiro Terminada a leitura de A Síncope das Idéias/A Questão da Tradição na Música Popular Brasileira, livro do historiador Marcos Napolitano (Editora Fundação Perseu Abramo), uma das impressões é a de que, ao lado da riqueza melódica, harmônica e rítmica, a música do Brasil se notabiliza pela polêmica.
Da consolidação do samba carioca como o gênero mais representativo do país aos debates que cercaram a Tropicália, passando pelo surgimento da bossa nova, é impressionante quantas discussões renderam esses movimentos. Mas seria essa um marca exclusiva do Brasil?
Doutor em História Social pela USP, onde leciona, e ex-professor da Universidade Federal do Paraná, Napolitano, diz que não e lembra que a música popular, "sobretudo em seu formato canção, foi uma marca do século 20". Dessa forma, também esteve ligada à construção das identidades nacionais na era da sociedade de massas em países como Cuba, EUA, Argentina, Chile...
"De qualquer forma, no Brasil a música popular ganhou uma importância grande, rompeu limites de mercado e de classes sociais e tornou-se um campo de atuação de grandes criadores, sobretudo entre os anos 1930 e 1970. Isso se deve ao papel que a música popular, ou melhor, seu formato canção, ocupou no projeto moderno brasileiro, cujo objetivo último era construir uma identidade nacional que articulasse o moderno e o popular, as elites e as classes populares, a tradição e a vanguarda", afirma.
O caso do samba é exemplar. Apesar de seu balanço irresistível, do sucesso que fez, o gênero virou o "ritmo oficial" do país graças também ao endosso da intelectualidade dos anos 1930. Para Napolitano, contribuíram para isso o ambiente cultural carioca e sua mistura de nacionalismo com bairrismo citadino. "Foi um movimento que reuniu sobretudo jornalistas, compositores e radialistas sediados no Rio, num processo que data do início dos anos 1930. Desde o fim do século 19, o Rio era nossa grande usina sonora."
Enquanto no Rio o samba encontrava o seu formato e sotaque carioca , o Nordeste, principalmente a Bahia, funcionou como uma "espécie de reserva de tradições". Algo que, segundo Napolitano, servia à ideologia de mestiçagem que passou a nortear o pensamento brasileiro: "O que chamamos de brasilidade foi construído no encontro desses dois pólos, sob o patrocínio da nascente indústria musical. O eixo Rio-Bahia (Nordeste) foi determinante para a reinvenção do Brasil, até por se adequar melhor à ideologia da mestiçagem que estava na base dessa reinvenção".
Avançando até a bossa nova, hoje, às vésperas do aniversário de 50 anos do estilo que tem como batismo as primeiras gravações da batida do violão e do canto de João Gilberto, em 1958 , é difícil entender o quanto o gênero logo passou a ser contestado no Brasil.
Cerca de quatro anos depois de João Gilberto se impor, o gênero já era contestado pelos defensores de uma música engajada ou aquela produzida por compositores vindos das camadas mais populares. "Mas é preciso reavaliar o papel da bossa nova para a música engajada. Há um primeiro momento da música engajada que, esteticamente, é tributária da bossa nova, temperada com letras de cunho social e timbres percussivos do samba tradicional", argumenta Napolitano, dando como exemplo a obra de Sérgio Ricardo e Carlos Lyra.
"Os dois estão na gênese da canção engajada brasileira, antes mesmo do golpe militar. Depois de 1965, com a influência de Chico e Elis, outras matrizes, anteriores à bossa nova, como o samba carioca dos anos 1930, as marchinhas, o baião e o próprio bolero, passaram a influenciar a canção engajada brasileira. Dessa mistura nasceu a MPB, sob o abrigo dos festivais da canção.
Justiça do Trabalho desafia STF e manda aplicativos contratarem trabalhadores
Parlamento da Coreia do Sul tem tumulto após votação contra lei marcial decretada pelo presidente
Correios adotam “medidas urgentes” para evitar “insolvência” após prejuízo recorde
Milei divulga ranking que mostra peso argentino como “melhor moeda do mundo” e real como a pior
Deixe sua opinião