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O dramaturgo Marcelo Pedreira provou que também leva jeito para o cinema. Em 2005, ele co-roteirizou o filme Incuráveis, ao lado do diretor Gustavo Acciolli. O longa-metragem conta a história de um dia na vida de uma dupla de desconhecidos (Fernando Eiras e Dira Paes), que decide passar a noite juntos, em um hotel. No mesmo ano, Eiras recebeu o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema de Brasília, onde o filme foi bem acolhido.

Agora, o autor do texto teatral Dilúvio em Tempos de Seca, dirigido por Aderbal Freire-Filho e encenado por Wagner Moura e Giulia Gam, prova que também domina a escrita romanesca. Seu primeiro livro, A Inevitável História de Letícia Diniz (Ed. Nova Fronteira, 256 págs., R$29,90), agarra o leitor logo na primeira página e o transporta para o submundo dos travestis que se prostituem nas regiões da Lapa e da Glória, no Rio de Janeiro.

Seu texto reflete a experiência teatral: é limpo, direto, fundamentado principalmente nos diálogos dos personagens. Emprestou das ruas a linguagem das "bonecas", cheia de gírias e palavrões que podem chocar leitores mais comportados. Nas conversas diárias que teve com travestis nas mesas de bar, encontrou material farto e verídico para compor sua protagonista, a travesti Letícia Diniz. Seu narrador-personagem, identificado somente no final do livro, declara as intenções do autor: "Se iria contar a história de uma travesti, precisava me apropriar de seu universo, respirá-lo, espiá-lo com meus próprios olhos".

O mergulho de cabeça levou Pedreira a conhecer melhor a vida que levam os travestis, em sua enorme maioria marginalizados e, por isso, obrigados a se prostituir e abdicar dos desejos comuns a qualquer pessoa: encontrar um companheiro, estudar, ter um trabalho digno.

Quando o adolescente, transformado em Letícia após muitas aplicações de injeções hormonais, viaja ao Rio de Janeiro para ganhar dinheiro com a prostituição, entende seu papel na sociedade – o mesmo de um tubo de PVC, onde "os calígulas vem, descarregam sua devassidão na gente e depois voltam para suas famílias de cara lavada, como pessoas decentes", explica uma travesti veterana à (ainda) ingênua Letícia.

A história da transexual é contada pelo narrador fictício a partir dos diários que ela escrevia todos os dias, desde que descobriu sua sexualidade, aos 12 anos, em Porto Velho, Rondônia. Expulso de casa pelo pai, que o violenta, ao flagrá-lo com as roupas da irmã, o menino vai morar com o tio Cristina, um travesti bondoso, que a contragosto acompanha as mutações físicas do garoto. Quando parte para o Rio, já é dono de um corpo escultural, invejado por muitas mulheres – e travestis. É o caso da amiga Alicinha, que para moldar o corpo decide visitar uma "bombadeira" (espécie de clínica clandestina) para injetar silicone industrial nas nádegas, seios e quadris. "A bicha pode ser até feia, mas consegue sobreviver se tiver essas armas", justifica. Com os furos tapados com Super Bonder, ela acaba morrendo de infecção.

Embora lute para mudar sua situação, Letícia também tem um final inevitável. Romântica inveterada, ela se apaixona diversas vezes, mas sempre se frustra. As últimas linhas de seu diário refletem a sua desilusão: "Toda travesti acaba descobrindo, mais cedo ou mais tarde, que é menos doloroso ser o sonho de dez homens por noite, por uma hora que seja, do que sonhar em fazer parte da vida real de apenas um deles".

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