O espetáculo começa com um casal de atores descendo a escada central do Teatro Paiol até o meio do palco coberto de borracha negra. Ao som de Charles Aznavour cantando "La Mer", inicia-se um jogo sexual: adoração, perseguição, pegação pesada entre o lúdico e o, digamos, selvagem. A caçada termina com a mulher em êxtase sodomizando o homem. A primeira cena serve para dar o tom do que virá na peça "Transgressões" do grupo paulistano Pia Fraus. Outros dois atores saem de dentro de engradados plásticos que formam o cenário e também entram nesta espécie de dança sensorial que é o espetáculo.
Quase sem texto, apenas as vozes de comando de jogos de dominação sexual, é um espetáculo de coreografia lenta, em boa parte sobre uma trilha meio cafona de violinos.
Os atores trocam expressões sôfregas de desejo irreprimível e às vezes encaram assim a plateia e se ocupam de representar e escancarar algumas das perversões sexuais como a dominação, a humilhação pública, profanações, grandes orgias. O garoto beija o garoto que beija a garota que beija a garota.
A impressão é a de que já vi estas "transgressões" antes. Umas dez vezes. E essa linguagem sempre me disse muito pouco nestes tempos em que o escândalo já não é mais possível.
Ainda que o elenco se entregue totalmente e que parte das cenas seja bem elaborada, muitas citando obviamente Saló ou "120 Dias de Sodoma" (filme dirigido por Pier Paolo Pasolini em 1975) falta exatamente esta sensualidade meio abjeta ao espetáculo. Na primeira parte da peça, algumas evoluções lembram mais as constrangedoras experiências do elenco da peça montada durante o filme clássico da pornochanchada "Oh Rebuceteio", dirigido por Cláudio Cunha em 1984 exatamente o ano da formação da companhia Pia Fraus.
Da metade para o final, porém o espetáculo incorpora os bonecos que a companhia Pia Fraus é famosa por manipular em suas peças adultas e infantis. E a peça cresce. Usando uma linguagem que a companhia domina bem, tudo ficou muito mais interessante e divertido. O ponto alto foi uma orgia entre os atores e os títeres, cenicamente muito bem resolvida -- momento mais sexy de toda noite. Até a trilha mudou para muito melhor, com boas peças de jazz e bebop.
Ao final, uma plateia dividida. Aplausos entusiasmados de quem se excitou e lambuzou com a lascívia da peça. Há, no entanto, parte da plateia que como eu não tenha se levantado da cadeira. GG
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