Apesar de ser baseada em um princípio bastante simples o de posicionar uma imagem após a outra para ilustrar a passagem do tempo , a arte de criar histórias em quadrinhos parte de um processo muito mais complexo, em que a utilização de uma gama de símbolos visuais proporciona um relacionamento íntimo e exclusivo com o leitor, além de ser um meio de imenso alcance para o autor.
Com exceção dos quadrinhos mais independentes, que buscam transcender o universo tradicional de leitores acostumados à linguagem dos gêneros familiares (como as histórias de super-heróis), dificilmente uma HQ é capaz de despertar reflexões sobre seu próprio processo criativo, como a descrita no parágrafo acima.
Porém, pensar a parte teórica existente por trás da criação das histórias em quadrinhos algo que, até então, era tarefa de autores e entusiastas do gênero pode contribuir, e muito, aos próprios leitores, que ao entender sua lógica passam a apreender, por completo, o ilimitado potencial da chamada nona arte.
Tanto consumidores, como criadores e iniciantes no universo das HQs agora contam com duas obras teóricas, recém-lançadas no mercado brasileiro, que dão conta de destrinchar os meandros da arte seqüencial, apontando caminhos para sua evolução: Reinventando os Quadrinhos, de Scott McCloud e Narrativas Gráficas, de Will Eisner.
Lançada originalmente há cinco anos, Reinventando os Quadrinhos (M. Books. 260 págs. R$ 45), que só agora ganha edição nacional, é uma seqüência do livro Desvendando os Quadrinhos (M. Books. 266 págs., R$ 39), publicado pelo cartunista e desenhista norte-americano Scott McCloud em 1993. Em ambos os trabalhos McCloud quatro vezes vencedor do prêmio Harvey e Eisner utiliza a própria linguagem dos quadrinhos para defendê-los como uma forma legítima de arte. No segundo volume, o autor que no primeiro trabalho tratava, de forma didática, de elementos da forma artística e de como sua linguagem é processada pela mente dos leitores traça possíveis caminhos para a sobrevivência da nona arte no século 21.
McCloud lista 12 "revoluções", que, em sua opinião, se concretizadas, poderão garantir longa vida à arte seqüencial: entre elas, o tratamento dos quadrinhos como obras literárias dignas de estudo; o reconhecimento das propriedades artísticas formais dos quadrinhos; os direitos dos criadores ao destino de suas obras e a uma participação financeira justa; e a diversidade de gêneros nas HQs. A segunda metade do livro é dedicada à produção, distribuição e evolução dos quadrinhos no ambiente dos computadores.
Menos específico, Narrativas Gráficas, de Will Eisner, não é exatamente uma continuação, mas um complemento da obra Quadrinhos e Arte Seqüencial: Compreensão e Prática (Martins Fontes. 154 págs., R$ 47,50), lançado originalmente em 1996. Aqui, o mestre Eisner pesquisa os fundamentos da aplicação da narrativa nas histórias em quadrinhos, atividade vista por ele como a estrutura que baseia a arte e que faz o trabalho perdurar. Idéias como a utilização de imagens como ferramentas narrativas, as maneiras de contar diferentes tipos de história e o papel e as influências do leitor em uma HQ são ilustradas pelos próprios desenhos de Eisner, que também conta com colaborações de nomes como Art Spiegelman e Robert Crumb. Ambas as obras oferecem uma nova e importante perspectiva em relação à arte seqüencial para interessados em quadrinhos, de maneira geral.
Na estante
* Quadrinhos e Arte Seqüencial: Compreensão e Prática, de Will Eisner (Martins Fontes. 154 págs., R$ 47,50): a partir do curso de Arte Seqüencial, que ministrou por 18 anos na Escola de Artes Visuais de Nova Iorque, o mestre dos quadrinhos, Will Eisner morto aos 87 anos, em janeiro escreveu e ilustrou este livro, lançado em 1996, em que oferece um apanhado de idéias, teorias e conselhos quanto à prática das narrativas gráficas e as formas de aplicação da nona arte.
* Desvendando os Quadrinhos, de Scott McCloud (M. Books. 266 págs., R$ 39): em formato de HQ, Scott McCloud explica como funcionam os quadrinhos: como são criados, lidos e apreendidos pelos leitores.
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