São Paulo – A primeira exibição pública do longa-metragem Cidade Baixa na 29.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi consagradora. O filme do baiano Sérgio Machado, já premiado no Festival de Cannes, onde recebeu o prêmio do júri jovem, e na Mostra BR do Rio de Janeiro, da qual saiu com as estatuetas de melhor filme e atriz (para Alice Braga), arrancou elogios unânimes do público que lotou, no último sábado (19), o recém-inaugurado Cine Bombril, antigo Cinearte.

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Na platéia da estréia, o espectador comum, que enfrentou longas filas para comprar ingresso e entrar na sala de exibição, pôde ver de perto uma constelação de nomes importantes das telas nacionais: o documentarista Eduardo Coutinho e os diretores Walter Salles (de Central do Brasil, produtor do longa), Hector Babenco (Carandiru), Karim Aïnouz (Madame Satã, roteirista de Cidade Baixa), sem falar de outras figuras conhecidas do cenário cultural paulista, como o diretor teatral Antunes Filho e a jornalista Marília Gabriela (acompanhada do marido, o ator Reynaldo Gianechini).

Cidade Baixa, entretanto, não é o que se pode chamar de um filme convencional, comercial em sua essência. A produção, que entra em cartaz no dia 4 de novembro, discute as implicações decorrentes de um intenso triângulo amoroso, formado pelos amigos barqueiros Naldinho (Wagner Moura) e Deco (Lázaro Ramos), e pela prostituta e dançarina Karinna (Alice Braga, revelada por Cidade de Deus).

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Rodado em Salvador com o apoio do governo estadual da Bahia, o filme de Sérgio Machado tem o grande mérito de explorar a geografia física e social da cidade sem cair nos clichês que costumam povoar quase todas as abordagens audiovisuais da capital baiana. Nada de Pelourinho, Baía de Todos os Santos, Farol da Barra e outros cartões-postais soteropolitanos. O cineasta revela o submundo, o bas-fond, de forma orgânica, realista, sem jamais folclorizá-lo. Cidade Baixa tem cheiros, sons e cores que remetem à sordidez real desse universo, mas sem julgá-lo.

Assim como Karim Aïnouz, um dos roteiristas, já havia feito em seu ótimo filme de estréia, Madame Satã, a fita devolve ao cinema brasileiro um de seus elementos fundamentais: o erotismo, que tem sido usado de forma comedida nos últimos anos. As inúmeras cenas de sexo entre os três personagens, contudo, não têm a proposta de vender sensualidade barata, por meio de uma montagem que explore o corpo dos atores, à la Playboy Channel. Nada disso. As cenas, magnificamente fotografadas por Toca Seabra (de O Invasor), expõem os personagens em carne viva e em toda sua complexidade. E, como um dos principais elos que os une é o sexo, o desejo, essa carga erótica se materializa sobre a tela de maneira crua, mas não menos excitante. Por conta disso, Cidade Baixa é uma fita caliente pelos motivos certos.

Os baianos Lázaro Ramos e Wagner Moura, revelados pela montagem teatral A Máquina (que acaba de virar longa-metragem com os dois no elenco), já são nomes em ascensão no cinema, teatro e tevê nacionais. A grande surpresa no elenco de Cidade Baixa fica por conta da impressionante atuação da ainda novata Alice Braga, sobrinha de Sônia Braga. Embora viva uma prostituta, ela consegue desviar dos lugares-comuns que costumam marcar esse tipo de personagem, compondo uma Karinna ao mesmo tempo sexual e introspectiva, que pouco ou nada revela sobre si. O desempenho de Alice, que atua em comerciais desde a adolescência, é magnético e intrigante, explodindo na tela. Uma revelação.

O jornalista viajou à convite da 29.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.