É reconfortante a sensação de assistir ao DVD duplo de "O Renascimento - A Era dos Médici", de Roberto Rossellini, lançamento da Versátil (R$ 39,90). Primeiro, sentimo-nos em presença de uma obra didática, feita para ensinar alguma coisa; e a impressão não é errada, pois era essa mesma a proposta de Rossellini. Revendo trechos, damo-nos conta de estarmos em presença de grande cinema, embora a trilogia tenha sido feita para a TV. Por fim, voltamos mais uma vez a ouvir, com fascínio crescente, o que têm a dizer, a nós pós-modernos, homens como Cosimo di Médici (1389-1464) e Leon Battista Alberti (1404-1472) personagens centrais dos três filmes que totalizam 255 minutos.
Didata, mas de um didatismo muito especial, Rossellini nos convida ao mergulho nesse período que é, nada menos, o berço do capitalismo que viria a florescer (se o termo cabe) mais tarde, na Revolução Industrial. Seu epicentro: Florença do século 15, na qual os Médici se tornam imensamente ricos ao, na prática, inventarem o sistema bancário como o conhecemos hoje.
Havia em Florença toda uma cultura do empréstimo a juros, embora a usura fosse (em tese) proibida pela Igreja. Como Rossellini nos introduz nesse ambiente? Numa sequência genial, um florentino mostra a cidade a um inglês. Este se espanta ao ver várias casas ostentar um pano vermelho. "São pequenas lojas de crédito", explica o florentino. As pessoas que têm necessidade de empréstimo rápido, trazem um bem, o colocam em penhora, levam o dinheiro e, depois, o resgatam, devolvendo o que emprestaram e mais os juros. "Mas então a usura é permitida em Florença", confirma o inglês. Nada disso. Essas casas são multadas pela prática. Então por que ostentam os panos vermelhos, pelos quais são facilmente identificadas pelos que buscam dinheiro? "O pano significa que pagaram a multa à cidade", explica o anfitrião. Jeitinho florentino.
Durante boa parte do tempo assistimos a manobras políticas de bastidores. Luta pelo poder, transformada numa espécie de arte - não por acaso Maquiavel nasce, age e escreve em Florença. Ao aumentar seu poder através de uma rede bancária estendida pela Europa, Cosimo ganha também inimigos, que tramam sua morte. Acusado de tramar um golpe e condenado, consegue comutar (à custa de dinheiro) sua pena em exílio. Mas logo está de volta, apesar da pena prever 10 anos fora de sua cidade. A justiça é um joguete de interesses econômicos e políticos, e Cosimo detém os cordões que manejam essas marionetes.
Ao mesmo tempo, era um intelectual e protetor das artes. Formou bibliotecas, construiu palácios, financiou pintores, arquitetos e escultores. Cosimo é um motor financeiro da revolução renascentista, na qual a arte se liberta aos poucos do conteúdo imposto pela Igreja e coloca o homem em seu centro. Torna-se uma forma de pensamento. E, entre esses pensadores, desponta Leon Batistta Alberti, personagem da última parte da trilogia. Alberti era o protótipo do homem renascentista, para o qual não havia fronteiras entre a arte, a técnica, a ciência, a filosofia.
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