No início da década de 1960, a televisão brasileira ainda engatinhava para encontrar uma linguagem própria. Parte do sucesso do meio, que se popularizava massivamente, vinha do humor, em programas como Praça da Alegria (1957), Oh! Que Delícia de Show! (1963) e A-E-I-O-Urca (1963). O último marcava a estreia de Renato Aragão, um jovem humorista cearense que sonhava em fazer cinema.
Na TV Tupi, como descrevem Luís Joly e Paulo Franco no livro Os Adoráveis Trapalhões, o comediante conheceu Manfried SantAnna. Oriundo do circo, o profissional era conhecido como Dedé e tinha uma breve passagem pelo universo cinematográfico. A empatia imediata da dupla daria início a uma parceria que resultaria nos filmes Na Onda do Iê-Iê-Iê (1966), A Ilha dos Paqueras (1970) e Ali Babá e os 40 Ladrões (1972).
O sucesso nas telonas fez com que os dois adotassem o título de Os Trapalhões, um dos nomes do programa que mantinham na televisão, quando Aragão interpretava o personagem Didi. Na segunda metade da década de 1970, o Mussum de Antônio Carlos (1941-1994) e o Zacarias de Mauro Faccio (1934-1990) entrariam para o grupo, que se tornou um dos fenômenos mais importantes do cinema nacional.
No escurinho
Enquanto mantinha uma carreira dedicada à televisão, o quarteto realizou cerca de 20 filmes juntos até 1990. Tamanha produtividade é um feito para poucos comediantes Brasil afora. A nível de comparação, os Irmãos Marx dividiram a tela 15 vezes entre 1929 e 1957. Isso quando incluímos as produções em que apareciam somente Harpo, Chico e Groucho, após a saída de Zeppo, em meados de 1935. Como quarteto, o time esteve completo em apenas seis obras.
Um grupo mais recente de parcerias é o Frat Pack, composto por atores como Ben Stiller, Jack Black, Owen Wilson, Will Ferrell, Vince Vaughn e Steve Carell. Desde meados de 1995, o time de amigos estrelou 30 filmes, mas a maioria tinha apenas um par deles em cena. Nenhuma vez eles atuaram todos juntos.
Personagens
"Essa unidade de Os Trapalhões talvez nem seja o mais importante na filmografia deles. O que realmente é impressionante é o fato de fazerem dezenas de produções e manterem sempre o mesmo personagem. E isso ao longo de décadas", avalia o jornalista Rodrigo Pereira, pesquisador do cinema popular brasileiro.
Tal feito não ocorre com parcerias como a dos britânicos do Monty Phyton ou dos humoristas norte-americanos John Belushi, Dan Aykroyd e Harold Ramis no início de 1980. Isso porque, embora esses grupos tenham feitos obras importantes, em cada uma delas, os humoristas interpretavam figuras diferentes.
"São quase 50 filmes se levarmos em conta os feitos somente com o personagem Didi. Não consigo imaginar ninguém no mundo com o mesmo legado", comenta o pesquisador Rafael Bona, autor de uma tese de doutorado sobre o tema.
No Brasil, outros comediantes tinham tido sucesso com parcerias duradouras, embora nenhuma possa se comparar em longevidade. Uma das mais importantes para o cinema popular era a de Oscarito e Grande Otelo. O próprio Renato Aragão admitiu que se deixou influenciar pelo trabalho da dupla.
A estratégia de dividir a tela sempre com o mesmo time é tão antiga quanto o próprio cinema sonoro nacional. O primeiro longa do gênero foi Acabaram-se os Otários (1929), protagonizado por Genésio Arruda e Tom Bill, humoristas que atuavam juntos no teatro. Os dois também apareceram juntos em outras produções no da década de 1930.
Nas décadas de 1960 e 1970, o sucesso de Os Trapalhões levou os produtores a criarem estratégias para aproveitar a onda. Filmes como O Homem de Seis Milhões de Cruzeiros contra as Panteras (1978), Os Pankekas e o Calhambeque de Ouro (1979) e Os Paspalhões e Pinóquio 2000 (1982). Mas nenhum teve o êxito dos filmes do grupo de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.
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