O local reservado no COP8 para a economista e socióloga queniana Esther Mwaura-Muiru, 37 anos, não tem luxo. O espaço é todo aberto, dotado de uma estrutura de pinus com cobertura de sapê uma imitação bem-sucedida do que seria uma tribo brasileira. Foi batizado pelas Nações Unidas de Community Taba e funciona como um tubo de ensaio de um mundo possível. Ali se pode conversar em qualquer língua, pois há sempre alguém por perto para ajudar nas palavras. Qualquer um tem direito a se sentar e participar.
As conferências são curtas, para que ninguém se empolgue nos discursos mais importante é estar num grupo de trabalho e dividir experiências, tudo sobre o olhar atento de Esther (diz-se Esta), de "pele negra, quente e meiga", como canta Milton Nascimento, trajando uma impecável bata vermelha, a cor dos masai, mítica tribo do Quênia, cujos nativos usam roupa escarlate.
Por que Esther? Por todos os motivos que a ONU possa ter arquivado em pilhas e pilhas de documentos e mais alguns. Ela é uma queniana típica. Nasceu numa das muitas comunidades minúsculas de seu país, mas venceu, como se diria algumas décadas atrás, a "determinância histórica". Saiu do campo, "onde vivem 80% dos quenianos, a terra está cansada e na qual se ganha apenas para sobreviver", passou uma rasteira na pobreza, formou-se na universidade, teve três filhos e "um marido", como brinca.
A próxima etapa foi voltar para o barro do qual foi feita. Para chegar até lá, não precisou cruzar o país de 500 mil metros quadrados e 30 milhões de habitantes. A 50 quilômetros de Nairóbi, capital do Quênia, encontrou núcleos populacionais "que caberiam embaixo dessa tenda, de tão pequenos" e passou a tomar parte com eles, principalmente com as mulheres. Parecia coisa do destino. Esther criou a ONG Groots e se tornou uma incentivadora dos conhecimentos tradicionais, assunto que ocupa o centro da COP8.
O Quênia se tornou independente há pouco mais de 40 anos. Ao longo desse tempo, virou uma espécie de "porto pacífico" das nações vizinhas em contínua guerra civil. Foragidos de Ruanda, Congo, Uganda, Sudão, Somália e Burindi se juntaram ali. "Somos tão miscigenados que não temos como brigar. Parece o Brasil", comenta. No país em que a cultura britânica, como diz ela, pode não estar estampada nas ruas, mas influencia ainda hoje os hábitos e a mentalidade, cultiva-se o chá e ainda são mantidas as glebas de poucas famílias, isoladas umas das outras. A estratégia era usada pelos ingleses para neutralizar riscos de uma possível guerra civil. "Você acredita que para chegar aqui tive de fazer escala na Europa? Ainda somos dependentes dos colonizadores", protesta.
Entre perdas e danos, destaca a ativista, os quenianos foram se esquecendo dos seus hábitos ancestrais, ligados à floresta, espaço por excelência para conhecimentos que nos quatro cantos do planeta costumam ser apropriados pela indústria farmacêutica e cosmética, a troco de banana. Foi essa uma das feridas em que colocou o dedo, ajudando a sua gente a se lembrar de saberes herdados dos pais. Caminho sem volta para eles e para Esther, a mulher que tem feito da Community Taba os 200 metros quadrados em que todos os propósitos das Nações Unidas funcionam 100%. Na devida escala, tem-se ali um laboratório de proteção do conhecimento tradicional, uma das etapas para se discutir a repartição de benefícios genéticos. A conferência passa pela taba o que não se sabe é se lá dentro os 3,7 mil participantes já se deram conta disso.
A ativista fala a plenos pulmões do que tem visto acontecer nas fazendas quenianas ainda regidas pela lógica do latifúndio. Aos poucos, muitos voltam para os cultos religiosos dos quais vinham se esquecendo. Alguns deles ensinam a ouvir o que dizem os deuses de floresta. Ao fazê-lo, deram-se conta de que a floresta estava acabando. Muitos começaram, a partir daí, a replantá-la. "Em vez de matarem animais para o sacrifício, consultam os espíritos e afirmam que eles querem as árvores de volta." Com o retorno à mata estão renascendo também as lembranças, o uso de plantas, um patrimônio que, lembra Esther, vai ser fundamental no avanço do tratamento da aids e outras doenças.
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