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Trechos de Maneira de Ser

"Percebo que, muitas vezes, os jornalistas já partem com toda desconfiança sobre nós. O que, do lado de cá, provoca uma reação em dobro. Aí a guerra se instala e vira um inferno para todos."

Trecho de Maneira de Ser, em que Marina fala sobre sua relação com a imprensa.

"Quando compreendi que a minha música era importante, que muita gente a compreendia e se conectava a ela, tudo mudou. Criei uma conexão com o público e pude ser eu."

Idem.

Capa do álbum Fullgás (1984): estouro comercial
Marina: difuculdade com o cabelo crespo ganhou capítulo

Autobiografias são parciais. Quando alguém resolve contar a história de sua vida, quase sempre acaba escolhendo momentos e experiências que considera mais importantes, significativos, e omite outros. Sem falar daqueles que, de forma consciente ou não, são reescritos, ganhando contornos mais próximos da ficção do que da realidade.

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Talvez o que a pessoa deseja falar de si mesma, e como será construída essa narrativa, sejam mesmo bem mais interessantes do que a chamada "verdade dos fatos". Maneira de Ser, primeiro livro da cantora e compositora Marina Lima, é tão imperfeito quanto fascinante por conta dessa liberdade tomada pela artista para falar de si.

Misto de obra memorialística, diário e scrapbook, Maneira de Ser talvez pudesse ser melhor descrito como um autorretrato em palavras e imagens. Fragmentado, algo caótico na superfície, mas bastante revelador.

Em suas 225 páginas, Marina constrói um rico painel de sua vida e carreira, recorrendo a relatos em primeira pessoa escritos especialmente para o livro. Também estão lá resenhas de seus discos e shows, perfis – entre eles, um belo texto assinado pelo escritor gaúcho Caio Fernando Abreu. Também não faltam letras de músicas e análises, álbum a álbum, de toda a sua discografia, sempre em um tom ao pé do ouvido, cheio de subjetividade. Os fãs vão se deliciar.

Confessional

Essa pessoalidade talvez seja, ao lado do inusitado formato gráfico do livro, seu maior mérito. Ao final da leitura, tem se a sensação de termos descoberto muito sobre uma artista que, embora diga que sempre gostou muito de dar entrevistas, procurou manter uma postura discreta, um tanto à margem da feira de celebridades em que o jornalismo de entretenimento se tornou nos últimos anos.

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Da vida pessoal de Marina, ficamos sabendo muita coisa. Que, por exemplo, ela não gostava de ter cabelo crespo quando era garota – era a única na família com esse traço físico. Ela também revela que era mais próxima da mãe, Amélia, do que do pai, o economista Ewaldo Correia, que trabalhou no BID. Por ele, nutria profunda admiração e respeito, mas a proximidade física, a initimidade, só veio quando ele ficou doente, pouco antes de morrer, em 1994.

Da relação com o irmão mais velho, o poeta e filósofo Antônio Cícero, ela também fala. Conta que, por ser dez anos mais velho (hoje ele tem 67 anos), eram muito distantes um do outro. Até que a música os aproximou e deles fez parceiros. Um belo texto, em que ele fala tanto da Marina mulher e irmã quanto da artista, também serve para iluminar os contornos dessa relação intensa, complexa e, segundo ambos, muito cúmplice.

Carreira

Situar Marina no cenário da música brasileira nunca foi tarefa fácil. Ela mesma nunca se preocupou muito com rótulos. Gravou e cantou com Tom Jobim e Caetano Veloso, entre outros grandes da MPB. É amiga próxima do roqueiro Lobão, de quem registrou, no álbum Fullgás (1984), disco que mudou sua carreira, o sucesso "Me Chama". Mas também flertou com a eletrônica e até com a música baiana, gravando "Beija Flor", da banda Timbalada, idealizada por Carlinhos Brown.

Essa resistência a ceder a rótulos, a se encaixar em nichos, é sintomática. Marina, que se moudou do Rio para São Paulo, confessa em Maneira de Ser que, embora tenha muitos amigos, tem dificuldades em se relacionar com muitas pessoas ao mesmo tempo. Não falta ao livro, tampouco, relexões sobre a crise psicoemocional que a levou a perder a voz, e se afastar um tanto da música, no fim dos anos 90.

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