Se Endrigo Bettega tivesse mais de 1,77 metro, talvez a história da música em Curitiba fosse outra. Ele sonhou se tornar goleiro e, por uma temporada, ocupou essa posição defensiva nas equipes infantil e juvenil do Clube Atlético Paranaense (CAP). Mas uma derrota na final do campeonato em 1989 mudaria os planos de Endrigo. De toda forma, ele consegue estabelecer pontos de contato entre ser goleiro e baterista: ambas atividades dependem dos pés e das mãos.
Vinte anos depois de abandonar os gramados, o nome Endrigo Bettega está presente em 415 álbuns, seja em todas as faixas ou mesmo em uma ou outra canção como convidado especial. Mas ele, inquieto que é, não descansa e anuncia que está a caminho do "gol" mil.
Ano passado, totalizou 80 saídas pelo Aeroporto Afonso Pena. No momento, participa de 17 projetos. Dia 22 de março, apresenta-se em São Petersburgo, na Rússia. Em junho, estará no Canadá; no mês seguinte, em Montreux, na Suíça.
Ele fala sem parar e dá a impressão de que quer batucar, com palavras, todo o ar ao seu redor.
A entrevista foi realizada na Lanchonete do Lago, no Parque Barigüi, na quarta-feira da semana passada. Endrigo montou a sua bateria no deck e começou a tocar. Os mais de 50 clientes começaram, com mãos e pés, a acompanhar os ritmos brasileiros que ele produzia.
Choveu e foi necessário transportar o instrumento percursivo para uma área coberta, onde foi realizada a fotografia e um bate-papo de mais de cinco horas.
Sorriso e saúde
O parnanguara de 39 anos pode ser definido como um sujeito simpático. O sorriso surge fácil e é constante no rosto de Endrigo. Ele emenda uma piada na outra. E, entre gargalhadas, conta que batucava desde pequeno, o que já chamava a atenção dos parentes.
Ele analisa que ter nascido e crescido no litoral foi decisivo para sua atual profissão. O baterista recomenda a todos os seus dez alunos uma dieta que contemple frutos do mar, ostra e caranguejo. "É preciso priorizar o cálcio, que fortalece as juntas e os ossos", diz.
2010 será um ano de muitos projetos para Endrigo.
Ele prepara o seu primeiro DVD didático, em que vai apresentar dicas para o aprendizado da bateria. Mas o audiovisual também trará sugestões de nutrição.
O músico, filho de um médico, realiza pesquisas e, depois de não pouco aprofundamento, chegou a uma constatação.
Endrigo ensina que, se o músico comer apenas vegetais, haverá energia no início da apresentação, mas perde-se o pique na sequência. Se, antes de um show, o prato for à base de carne, a performance começará "mais ou menos", mas a tendência é que o pique aumente. "A melhor pedida, antes de qualquer apresentação, é massa, que é processada liberando energia de maneira constante", diz.
Saúde é tema recorrente na fala de Endrigo. Ele diz, entre um gole de água e uma pausa, que a panturrilha é o segundo coração do ser humano. "Por isso, é preciso exercitar as pernas, para ter boa saúde. Isso vale para bateristas e para todas as pessoas", afirma.
Emoção e razão
Em 1989, depois de abandonar as luvas e as chuteiras, Endrigo passou a estudar 14 horas por dia. Viajou para Genebra. No Velho Mundo, participou da banda Impacto Ímpar, ao lado de Mauro Martins, baixo e teclados, e de Mário Conde, guitarra. O projeto abriu os olhos e toda a percepção do baterista para o fato de que música tem de dosar a métrica matemática com a emoção.
Ele tira um papel do bolso da calça jeans, ri e diz que fez a lição de casa. Anotou alguns dos países onde já se apresentou: Espanha, Itália, Alemanha, Holanda e França. "Tem mais", avisa.
De 2007 a 2008, viveu no Rio de Janeiro. Estava bem instalado em um apartamento no Leblon. Acompanhava artistas do primeiro time da MPB. Mas cansou dos engarrafamentos cariocas. Acima de tudo, sentiu falta dos amigos, da família e da cidade.
Voltou.
Endrigo olha para o espelho de água do lago do parque, mira os prédios e quase deixa escapar uma lágrima. "Aqui, em Curitiba, se prospera. Tenho demanda (de trabalho) diariamente. Quero viver aqui, casar com uma mulher daqui e ter filhos. Amo muito tudo isso", declara, comovido.
Aqui é o lugar
Curitiba, na opinião de Endrigo, é o melhor lugar do mundo para estudar música e desenvolver uma carreira artística. O motivo? O "simples" fato de que, aqui, não há o peso nem o compromisso com a tradição.
"Quem mora no Rio de Janeiro tem de tocar samba. No nordeste, é preciso prestar tributo ao baião ou ao frevo. Aqui não. Podemos fazer tudo, há liberdade. E isso é uma maravilha", argumenta.
Endrigo acredita que tem uma missão. Que é compartilhar com a comunidade paranaense todo o conhecimento musical que ele adquiriu durante esses 20 anos de atuação. Viajar, ele vai continuar viajando, mas tem a intuição de que precisa estar com raízes em Curitiba para fazer da cidade um ponto de referência.
Neste ano, deve ser finalizado o seu primeiro álbum-solo. O chamado "mestre das baquetas" tem brilho nos olhos e sugere ser uma usina rítmica.
Mesmo sem baquetas, Endrigo, com os pés, ao caminhar, insinua ritmos: o tum-tum-pá!, por exemplo, que empresta a sua sonoridade ao título deste texto.
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