
Paris - Gastar uma manhã qualquer observando pessoas apreciando arte quase nunca funciona como um experimento científico, mas reacende uma pergunta: o que exatamente estamos procurando quando vagamos enquanto turistas por museus? E como tantas das coisas bem diante de nós, a resposta pode ser menos proveitosa exatamente por soar familiar.
Outro dia visitando o Louvre no Pavillion des Sessions, duas jovens de vestido florido andavam calmamente pela galeria. Elas se aproximaram de algumas esculturas sem pressa alguma, analisando lentamente.
O pavilhão abriga cerca de cem objetos intactos de regiões fora da Europa em permanente exibição no conjunto de galerias geladas e silenciosas no piso térreo, na parte de trás do museu. Máscaras emplumadas do Alasca, tigelas primitivas das Filipinas, retratos feitos em pedra dos Maias e uma fantástica colher talhada em madeira pelos Zulus na forma de uma esguia mulher não ficam para trás, esteticamente falando, das grandes obras de Titian e Chardin que moram no andar de cima.
As jovens representam uma exceção por terem parado para observar as obras. A maioria dos visitantes do museu atravessa a galeria distraidamente.
Alguns típicos turistas espiam em vão seus guias, ou quem sabe as legendas nas paredes, como se aprendessem que uma ou outra dessas esculturas veio de Papua Nova Guiné ou do Havaí ou até mesmo do Arquipélago de Santa Cruz. Ou ainda que uma das obras tem três ou quatro séculos de idade. Como se isso despertasse neles algum interesse para o que está, tão descaradamente, bem diante de seus olhos.
Quase ninguém, durante cerca de uma ou duas horas, parou para observar aqueles objetos por mais de um minuto completo. Apenas uma escultura em madeira do século 17 que mostra um casal copulando, vinda de São Cristobal nas Ilhas Solomon, estrategicamente colocada em uma das saídas da galeria, conseguiu levar alguns desses turistas a apontarem, rirem ou baterem algumas fotos, mas sem verdadeiramente desviarem de seus caminhos.
O ato de visitar museus sempre serviu como um exercício de autoengrandecimento. Em parte, parecemos ir até eles para encontrarmos algo que já conhecemos, algo que formate nosso comportamento: pense na horda de turistas que invariavelmente se amontoam ao redor da Mona Lisa. Houve tempos em que um Ocidental instruído lia talvez centenas de livros, todos com muita tenacidade. Atualmente, lemos centenas de livros ou quem sabe nenhum, mas raramente com o mesmo tipo de intensidade. Os viajantes que cruzavam a Europa durante o século 18 passavam meses ou anos a fio aprendendo idiomas, conhecendo políticos, filósofos e artistas e carregavam consigo cadernos de anotações para desenhar ou pintar para registrarem suas memórias e ajuda-los a entender o que viam melhor.
Distância emocional
As máquinas fotográficas substituíram os cadernos em meados do século passado; a conveniência venceu o envolvimento, o observador aprendeu a lidar com a distância emocional e muita gente já não sentia mais aquela urgência em contemplar. Tornou-se possível imaginar que, visto que a reprodução de uma imagem está seguramente armazenada em uma câmera ou um telefone celular, ou porque se encontra eternamente disponível na internet, ficar estático em frente a um original é uma perda de tempo, especialmente com tanto chão para andar, tanta coisa para se ver.
Só conseguimos sonhar em ver tanta coisa graças a coleções que só fizeram crescer e a meios de transporte mais rápidos. Ao mesmo tempo, o cânone da arte que provia os guias para dizerem às pessoas aonde irem e o que verem gradualmente se desmantelou. O cerne dos valores compartilhados deu passagem à mesmice entre a propaganda visual de arte. Até certo ponto isso foi bom e necessário. Milhares de imagens passaram a competir por nossa atenção.
Desencadeada pela proliferação, a cultura ocidental foi também lançada em um mar de estimulação repassada, sem ancoras que a segurassem.
Portanto, agora é comum turistas vagarem pelos museus, tentando preencher seu conhecimento da História da Arte de uma vida toda em um único dia, indagando se talvez seja a quantidade de obras pela qual eles passavam rapidamente ao invés da qualidade da concentração que eles aplicam para as poucas coisas que escolhem prestar uma atenção mais demorada que determina se eles já "visitaram" o Louvre.
A historiadora de arte T.J. Clark, que durante os anos 70 e 80 foi pioneira em um tipo de análise que rejeitou o conhecimento antiquado em prol de uma arte em um contexto mais social e político, escreveu recentemente um livro sobre ter dedicado meses a fio analisando duas pinturas de Poussin. O observador sem pressa, bem como o cozinheiro sem pressa, ainda pode vir a se tornar o novo conceito de chic.
Até que isso aconteça, vamos continuar a lutar contra nossa falta de paciência em detrimento de nossa abundancia cultural. Recentemente, comprei alguns cadernos de rascunhos para desenhar junto com meu filho de 10 anos na Basílica de São Pedro e ao redor de Roma. Fizemos isso apenas por diversão e não porque somos bons nisso com a esperança de que desenhar o que encontrássemos nos ajudaria a observar tudo mais pausadamente e com mais atenção. Ocasionalmente, multidões se formavam ao nosso redor como se estivéssemos fazendo algo totalmente novo e estranho, bem diferente de quão normal desenhar costumava ser. Quase sempre hesito em falar de nossos desenhos para os outros. Parece pretensioso e datado em um momento cultural em que facilmente nos sentimos envergonhados e desconfortáveis em nos atrevermos a olhar algo com cuidado.
Por sorte, são os artistas que nos lembram não haver uma única e sempre acertada maneira de enxergar uma obra de arte, desde que se tenha uma mente aberta e paciência. Se você alguma vez já esteve em um museu com um bom artista provavelmente já descobriu que eles não se preocupam tanto com o que dizem os livros de História da Arte ou as legendas dos quadros, porque são consumidores egoístas, livres para escolher entre seus próprios interesses.
Quanto às duas jovens no Louvre, fossem elas aspirantes a artistas ou meras curiosas, não ficaram plantadas para sempre em frente às esculturas, mas pausaram por tempo suficiente para analisarem as obras e darem umas boas risadas, e ainda deixaram as legendas nas paredes para depois.
Em outras palavras, elas realmente admiraram as obras. E pareceram ter se divertido um bocado.
Enquanto partiam, deram-se conta de uma efígie vinda da Papua Nova Guiné com um nariz coberto de penas, o qual parecia, por conta de seus grandes olhos e mãos espalmadas posicionados em ambos os lados de sua cabeça, como se estivesse zombando delas.
Elas titubearam por um instante. "Não mesmo", disseram em uníssono. E enquanto saíam, lhe mostraram a língua zombeteiramente.
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