Uma saga familiar, às margens do Rio São Francisco, em um universo de cantadores e teatro de bonecos, fazendas de algodão e mergulhos no semiárido. Há tempos o público não via nada parecido depois do “Jornal Nacional”. Esta é uma das razões para o burburinho em torno de “Velho Chico”, novela das 21 horas que estreou na Globo nesta segunda-feira (14). Desde “Esperança” (2002) a emissora não apostava em uma produção de temática rural para o horário.
Mais: fez isso contratando Luiz Fernando Carvalho, elogiado diretor de minisséries e especiais, para trabalhar com o autor Benedito Ruy Barbosa – que também volta ao horário nobre depois de 10 anos, ao lado da filha Edmara Barbosa e do neto Bruno Barbosa.
É bom lembrar que os primeiros capítulos de uma telenovela em geral são privilegiados pelo tempo de que dispõem para serem finalizados – maior do que no restante da produção, conforme lembra o pesquisador de cinema e televisão Renato Pucci, professor na Universidade Anhembi Morumbi (SP).
O capítulo de estreia ficou à altura da expectativa criada, disse o professor à Gazeta do Povo, na terça.
“A qualidade visual e sonora do episódio de [segunda] está no nível das melhores minisséries de Luiz Fernando Carvalho”, avaliou, destacando o apuro estético da produção. “Há uma sofisticação impressionante.”
Faz uma avaliação parecida a professora da USP e coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela da USP (CETVN), Maria Immacolata Vassallo de Lopes. “É uma produção que eleva o trabalho de televisão ao nível de obra de arte”, avalia.
Marcas
O que distingue “Velho Chico”? Para a especialista, a escolha do “Brasil profundo” em vez do cenário urbano que vinha se repetindo no horário é o primeiro atributo.
“A história de violência urbana estava se repetindo muito e levava a um cansaço”, diz. Para Immacolata, o resgate do universo rural também acaba remetendo a antigos sucessos, o que pode ser outra boa aposta. “É uma maneira de reencontrar novelas como ‘Roque Santeiro’. Há este laço afetivo.”
Ao apresentar os personagens em uma história com um certo desfecho, o primeiro capítulo também deu uma amostra de que os realizadores de “Velho Chico” vão estruturar a novela de modo que cada dia funcione como uma espécie de episódio – como fazem os seriados.
Veja a lista:
1. ESTILO
Luiz Fernando Carvalho está imprimindo um estilo marcadamente autoral na produção, cuja estética salta aos olhos. Um exemplo são enquadramentos, ângulos e movimentos de câmera incomuns em telenovelas – como na cena em que mostram Afrânio e Iolanda no desbunde Salvador. “Pegaram o melhor diretor, com domínio completo desse formato, de como contar uma história de maneira sofisticada, que às vezes lembra cinema”, diz o professor Renato Pucci.
2. TEMÁTICA
Desde “Esperança” (2002) uma novela das 21 horas não se passava num universo interiorano. A mudança traz frescor ao horário e acerta ao remeter a antigos sucessos que continuam na memória do público.
3. CAPÍTULOS
Nos moldes do que fez João Emanuel Carneiro em “A Regra do Jogo” e “Avenida Brasil”, a nova novela deu um sinal de que deve apostar em capítulos que funcionam como episódios de um seriado, com um arco dramático que se fecha.
4. FIGURINOS
Um dos elementos que chamaram a atenção no episódio de estreia foram os figurinos – segundo a emissora, criados por meio de processos como envelhecimento natural e contato com a terra do sertão. A pesquisa incluiu a busca de materiais de moradores dos locais de gravação, no Alagoas, Rio Grande do Norte e na Bahia.
5. CINEMA
Luiz Fernando Carvalho parece conectar “Velho Chico” com referências do cinema brasileiro como Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha – diretor de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), filme ao qual Renato Pucci relaciona os cantadores que comentam a ação no primeiro episódio. “Carvalho não é um sujeito desligado de tudo o que se fez. Está integrando elementos da historia do cinema, mas não como peça de museu”, diz.
Deixe sua opinião