Vamos direto ao ponto, fãs de “Gilmore Girls”, e começar com as boas notícias: o revival do Netflix do amado drama tem tudo o que você quer. Lorelai e Rory estão de volta como a dupla mãe e filha melhores amigas que vivem na gloriosamente pitoresca cidade de Stars Hollow, Connecticut. O criador e o produtor executivo do seriado original estão no comando, garantindo que o altamente esperado retorno esteja lotado de referências, piadas internas e atualizações a respeito da vida dos seus personagens secundários favoritos.
As más notícias: não é perfeito. Na verdade, está longe de ser perfeito. O revival tem quatro capítulos de 90 minutos, e parece que os episódios de 42 minutos tinham o intervalo perfeito de duração, antes que os diálogos famosamente espirituosos e as tramas excêntricas começassem a se arrastar – e as falhas dos personagens fossem de cativantes a irritantes.
As melhores notícias: os fãs não se importam. Porque “Gilmore Girls” está de volta.
Apesar de a televisão estar lotada de projetos nostálgicos, nada toca tanto o público quanto “Gilmore Girls”, que passou nos canais da TV americana WB e CW de 2000 a 2007. Os produtores executivos Amy Sherman-Palladino e Dan Palladino não conseguiram chegar a um acordo sobre questões financeiras com o estúdio e deixaram o seriado antes da sétima e última temporada, que é considerada uma enorme decepção, afundada em enredos sem sentido. Tudo isso acrescenta uma camada extra de entusiasmo ao revival, porque os espectadores finalmente terão a chance de ver o “verdadeiro” final.
Sendo alguém que reassistiu a “Gilmore Girls” mais vezes do que quero admitir, dar o “play” no primeiro episódio me deixou com os nervos à flor da pele. A magia de “Gilmore Girls” está enterrada fundo na minha psique, assim como está na de outros fãs, graças a personagens com os quais podemos nos identificar profundamente (Rory tornou legal ser uma introvertida que gostava de ler!), ao roteiro afiado e ao sonho de viver em uma cidadezinha aconchegante. Será que o revival atenderia às minhas elevadas expectativas? Ou confirmaria meu receio de que nunca poderia estar à altura do seriado original?
Serei sincera – foi um pouco de ambos. Antes de assistir aos episódios, o Netflix requereu que os repórteres assinassem acordos nos quais juramos não revelar spoilers ou surpresas ou pontos específicos do roteiro ou reviravoltas ou... quaisquer detalhes significantes, especialmente a respeito de envolvimentos românticos.
Mas eis o que posso lhes dizer: o primeiro episódio é deliciosamente surreal. Surreal no nível “isso está realmente acontecendo?” Lorelai (Lauren Graham) e Rory (Alexis Bledel) estão brincando a respeito de café e trocando referências culturais como se nenhum tempo tivesse passado? O Stars Hollow Gazette recebe uma ovação? Espere, Kirk (Sean Gunn), o esquisitão da cidade, tem um porco de estimação? Na verdade, essa última parece apropriada.
Crise de meia idade
Espectadores são lançados de volta ao envolvente mundo “Gilmore”, começando no inverno. Cada episódio se passa em uma estação diferente ao longo de um ano.
O revival é sobre chegar a uma encruzilhada (Lorelai faria uma piada sobre Britney Spears aqui) e ter de decidir o que fazer quando não há respostas fáceis. Da última vez que vimos Rory – a estudante nota 10 que sonha em ser uma correspondente no exterior – ela tinha acabado de se formar na Universidade de Yale com um emprego em um site de política cobrindo a campanha presidencial do então senador Barack Obama.
Apesar de teoricamente esse ser um bom impulso para uma carreira bem sucedida, curiosamente, no novo seriado, ela não decola. Agora com 32 anos, Rory está batalhando para se estabelecer permanentemente no mundo ferozmente competitivo do jornalismo. Em uma viagem a Stars Hollow, ela repetidamente assegura sua mãe de que está com vários projetos em andamento, “ferros no fogo”, como diz (“Eu ouvi. Você deveria se tornar uma ferreira”, Lorelai responde, impassível), apesar de estar claramente aterrorizada a respeito de seu futuro.
Lorelai, nesse meio tempo, está lidando com uma espécie de crise de meia idade, gastando um bom tempo no consultório de um (quase sempre perplexo) terapeuta. Ela não está apenas lidando com seus complicados problemas familiares: ter engravidado aos 16 e fugido de seus ricos e sufocantes pais. Ela também está pensando a respeito do futuro do Dragonfly Inn, o negócio dos seus sonhos que abriu com sua melhor amiga, Sookie (Melissa McCarthy). Além disso, ela e o rabugento dono de lanchonete Luke (Scott Patterson), a escolha favorita dos fãs para sua alma gêmea, não estão de vento em popa – apesar de o trailer trazê-los trocando um beijo.
Costurada ao longo das histórias está o luto pela morte do ator Edward Herrmann, que interpretava Richard, o pai de Lorelai; Herrmann morreu de câncer há dois anos. No revival, sua viúva, Emily (Kelly Bishop), lida com a vida sem seu esposo de 50 anos.
Ela está devastada, mas ainda é Emily Gilmore: nada pode impedi-la de fazer um comentário sarcástico para Lorelai, com quem tem uma relação tempestuosa, ou de baixar a bola de Luke. (Emily: “Luke”. Luke: “Sim?” Emily: “Essa foi só minha maneira de me despedir”.) E lembra como ela costumava contratar e demitir empregadas domésticas a cada poucos dias? Agora, há uma trama com sua empregada não falante de inglês, uma que parece fora de lugar para um programa de TV em 2016.
Nos anos desde que “Gilmore Girls” saiu do ar, alguns espectadores têm apontado para a falta de diversidade do seriado e seus estereótipos raciais, particularmente a senhora Kim (Emily Kuroda), a muito rígida mãe coreana da melhor amiga de Rory, Lane (Keiko Agena). Apesar de Stars Hollow ter evoluído em muitos aspectos, muito do ar original permanece o mesmo – e há um indício de qual a atitude do seriado a respeito da cultura do politicamente correto.
“Body shaming! Trigger warnings!”, Lorelai grita sarcasticamente quando Luke reclama que ela está comendo tacos antes do jantar. “War on Christmas!”
Não assista de uma vez
Uma das desvantagens de reassistir a seu seriado favorito é que as falhas são ampliadas. Muitas jovens mulheres reassistem a “Gilmore Girls” e descobrem que elas se identificam mais com Lorelai do que com Rory, um assustador lembrete da passagem do tempo – e também que Rory pode ser, bem, meio irritante.
Todos os personagens têm seus traços negativos, que estão na vitrine no revival: o egoísmo, as decisões precipitadas que magoam outros, a crueldade casual disfarçada de brincadeira. Ainda que isso faça parte de torná-los personagens bem desenvolvidos, assistir em uma sentada a seis horas seguidas reforça como seus amados personagens fazem escolhas ruins.
Essa pode ser a razão por que Sherman-Palladino ficou contrariada quando o Netflix se recusou a lançar os episódios um por semana, e ao invés os disponibilizará todos de uma vez, como de costume. A propósito, eis um conselho: episódios de 90 minutos de “Gilmore Girls” não são para se assistir em seguida, não ao menos todos em uma sentada.
Não só alguns dos personagens se tornam insuportáveis, como algumas cenas expandidas são daquelas que não precisavam necessariamente de extensão. Por exemplo, em vez de alguns minutos de uma das tipicamente terríveis produções teatrais de Stars Hollow, há tempo o suficiente para esticar por muito mais.
Mas, vai saber, talvez você ame os musicais de Stars Hollow. Talvez você não consiga enjoar de Taylor Doose (Micheal Winters) conduzindo as reuniões de moradores; ou dos insultos de Paris Geller (Liz Weil); ou da banda de Lane, Hep Alien; ou de referências a Tori Spelling e Neil Patrick Harris.
Esse é o benefício de um minifilme de “Gilmore Girls” – com tempo estendido e liberdade criativa dos produtores, é um verdadeiro bufê de cada experiência “Gilmore” imaginável. E, para esse seriado em particular, isso é tudo com que os fãs realmente se importam, no fim das contas.
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