Espécie de ‘Além da imaginação’ mais picante e com narrativas que refletem questões típicas da era digital, ‘Black Mirror’, da rede britânica Channel 4, agora está no catálogo da Netflix, onde os seis primeiros episódios da terceira temporada podem ser vistos a partir desta sexta-feira (21/10). A gigante do entretenimento desembolsou US$ 40 milhões para comprar os direitos da série televisiva britânica cult, e o resultado da injeção de verba se reflete no visual, no tom e até mesmo em um ambicioso capítulo de uma hora e meia de duração. Estrelado pela escocesa Kelly McDonald, conhecida do público por ‘Trainspotting — Sem limites’ e pela série da HBO ‘Boardwalk Empire’, ‘Hated in the nation’ é quase um média-metragem e fecha a primeira parte do terceiro ano do programa (os próximos seis episódios só serão liberados em 2017).
“Esse episódio é um thriller policial quase convencional. Também experimentamos, pela primeira vez, outros gêneros, como romance, terror, uma violenta história militar e uma outra de detetive. A diversidade aumentou. Quando nós começamos a elaborar os enredos, pensamos: ‘hmmm... o que seria a versão ‘Black Mirror’ para uma história de suspense noir escandinava’”. E assim os roteiros vão surgindo”, diz Charlie Booker, criador da série.
Leia também: A ciência perturbadora de “Black Mirror” já é realidade
Barba por fazer, o ex-jornalista especializado em videogames e crítico de TV do jornal The Guardian foi quem inventou, junto com a produtora-executiva Annabel Jones, o esqueleto de ‘Black mirror’, uma série de antologia em que cada episódio é uma história com começo, meio e fim, com elenco independente, cenário, tempo histórico e diretores únicos. Como não há unidade temática, é possível ver as produções na ordem que o espectador bem quiser.
“É como se oferecêssemos uma playlist, mas a compilação quem faz é você. Acho a maior graça quando vejo alguém dizer: ‘não assista a tal episódio primeiro, deixe este para o fim’. Acho que alguns fãs foram criando naturalmente uma relação idiossincrática com ‘Black Mirror’”, diz Annabel, que vê a terceira encarnação do programa como algo mais insano, crítico e próximo da realidade do que as versões anteriores apresentadas no Channel 4.
‘Nosedive’, o primeiro episódio, tem roteiro assinado pela dupla da série ‘Parks & Recreation’, Rashida Jones e Mike Schur, e é estrelado por Bryce Dallas Howard.
“Esse episódio é uma sátira sobre a afirmação da identidade na era das redes sociais. Ou, sendo mais direto e menos pedante, uma ilustração sobre o pesadelo que pode se tornar a maneira como nos apresentamos no mundo digital”, diz Booker.
As filhas de Quincy Jones (Rashida) e Ron Howard (Bryce) são fãs assumidas da série e, assim como Schurr, procuraram Booker e Annabel e se mostraram interessadas em participar de ‘Black Mirror’. Foi o mesmo caminho trilhado pelo diretor Dan Trachtenberg, que reinventou este ano a franquia ‘Cloverfield’ e comanda, na série, ‘Playtest’, um episódio sobre videogames, uma de suas paixões.
Os quatro se lembram exatamente do momento em que se tornaram admiradores da série: assim que assistiram ao episodio original, levado ao ar em 2011, em que o primeiro-ministro britânico é forçado a fazer sexo com um porco, ao vivo, na TV, a fim de libertar do cativeiro uma das princesas mais queridas da família real inglesa. As tiradas políticas e o absurdo da situação sinalizavam a entrada em cena de uma linguagem televisiva original: crua, direta e com doses propositadamente desequilibradas de fantasia e realidade, sem compromisso com uma unidade temática ou conceitual.
“As pessoas acham que a gente passa o tempo todo pesquisando inovações tecnológicas ou fuçando nos jornais histórias insanas para nos servir de inspiração, mas não é bem assim. Eu sou um geek de primeira hora, adoro mexer em brinquedinhos novos, e tenho experiência em comédia, o que me ajuda a evitar cair na armadilha da repetição, do clichê de nós mesmos. Mas essa é uma série esquisitíssima, né? Talvez as únicas características que unem os episódios sejam uma certa preocupação humanista e uma estética que chamo de ficção documental”, diz Booker.
A migração para a Netflix de ‘Black Mirror’ marca também uma mudança nas filmagens — metade da temporada foi rodada fora da Grã-Bretanha. Não é que o programa tenha ficado americanizado, mas ganhou, definitivamente, ares globais. Dois capítulos têm os EUA como cenário — um deles em um bem cuidado retorno aos anos 1980 — e um terceiro se passa na Escandinávia. Booker brinca que a nova temporada tem o potencial de atrair um público maior, para além dos que “nos veem como uma espécie de versão esquerda combativa e militante da loja da Apple.”
“É que a minha definição de ‘Black mirror’ vai muito além disso. A série, para mim, é uma seleção bizarra de entretenimento não convencional, quase sempre passada em universos paralelos e tendo a tecnologia não como vilã, mas como mote para a ação”, com temas próximos da realidade, embora não 100% fiéis a ela. O drama, aqui, sempre vem acompanhado do fantástico. Ou seja, é uma salada de conteúdo bem temperada com dilemas filosóficos muito além da imaginação.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Deixe sua opinião