É preciso um pouco de tempo para falar com menos paixão sobre “Making a Murderer”, lançada no mês passado na Netflix.
Se você foi um dos que viram os dez episódios mais ou menos em uma tacada só, também deve ter passado pelos diferentes estados emocionais que foram relatados por uma quantidade impressionante de gente nas redes sociais nos primeiros dias de 2016.
Eles foram mais ou menos assim: incredulidade, ao ver como um cidadão do estado norte-americano de Wisconsin chamado Steven Avery foi acusado de homicídio em 2005, apenas dois anos depois de ser inocentado de uma acusação de estupro pela qual passara 18 anos preso. Esperança com os argumentos dos dois advogados de defesa, que parecem encontrar uma trilha promissora ao tentar provar que Avery estava sendo incriminado pelos mesmos oficiais que estava processando pelos quase 20 anos que passou injustamente na prisão. Fúria contra os policiais e a atuação inescrupulosa do promotor. Indignação com a acusação de participação no crime contra o sobrinho de Steven, Brandan Dassey, baseada unicamente em uma confissão obviamente manipulada de um jovem de apenas 16 anos. Espanto com a possibilidade de alguém ser condenado mesmo com provas tão questionáveis.
Embate
Saiba quais são as provas mais importantes contra Steven Avery, e o que a defesa dele alega em “Making a Murderer”:
Culpado
Ele foi o último a ver Teresa Halbach viva e não há provas de que ela tenha deixado o local; restos mortais dela foram encontrados junto a uma fogueira acendida pelo acusado; o carro da vítima foi encontrado no ferro-velho onde ele vive; foi encontrado sangue de Avery no interior do carro de Teresa e DNA dele sob o capô; a chave do carro estava no quarto de Avery e uma bala com DNA da vítima foi achada na garagem dele.
Inocente
Os restos mortais foram levados ao local pelo assassino, para incriminar Avery; a defesa argumenta que o carro e a chave foram levados à propriedade pela polícia, que estava disposta a incriminá-lo; o sangue no interior do carro foi plantado pela polícia, que tinha acesso a uma amostra de um caso anterior de Avery; o DNA sob o capô pode ter sido uma contaminação acidental; DNA da vítima na bala pode ser mais uma contaminação.
Mas estas reações passionais – que culminaram em uma petição de perdão presidencial assinada por quase 500 mil americanos – podem não ser apenas uma resposta proporcional a injustiças terríveis. Podem, também, ser indícios de que o documentário – e seus espectadores – têm uma relação bastante problemática com um julgamento real.
A petição a Obama, conforme lembra a jornalista Kathryn Schulz em um artigo na revista New Yorker, não foi apenas endereçada à pessoa errada (o perdão a crimes estaduais, como é o caso do homicídio, não está nas mãos do presidente): ela não pediu um novo julgamento, e sim o perdão – como se MaM tivesse provado que Steven Avery é inocente . Coisa que o documentário não faz, e deveria deixar isso mais claro (veja os pontos mais polêmicos ao lado).
O próprio nome da série – algo como “fabricando um assassino” – coloca os espectadores em uma direção difícil de desviar, que é a da inocência do protagonista. A reação quase universal em defesa dele, que gerou inclusive hostilização de pessoas envolvidas na acusação, não deixa muitas dúvidas sobre isso, embora Moira Demos e Laura Ricciardi – as criadoras da série – insistam que o documentário não é sobre o acusado ser culpado ou não “A ideia é fazer com que os espectadores se deparem com questões desconfortáveis sobre como a culpa é decidida neste país”, disseram as diretoras nesta quarta (20), no Twitter.
É como se elas sugerissem que a responsabilidade pela distorção da mensagem fosse do público, e não da forma como contaram a história – o que é questionável, diante de um trabalho com um viés tão claro. Mas que tem algo de verdade, se pararmos para pensar com calma e com mais informações, alguns dias depois das conversas espantadas que tivemos pelos corredores com nossos colegas de trabalho. Estamos acostumados com peças de entretenimento que nos oferecem respostas e conclusões definitivas, e não dúvidas. E estamos cada vez mais seguros na posição de proferir julgamentos. Descobrir, aos poucos, que isso não é tão simples, e que provavelmente jamais saberemos o que de fato aconteceu, pode ser a lição mais interessante dada por “Making a Murderer” – mesmo sem querer.
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