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Susan Sarandon e Jessica Lange como Bette Davis e Joan Crawford em “Feud” | FX/Divulgação
Susan Sarandon e Jessica Lange como Bette Davis e Joan Crawford em “Feud”| Foto: FX/Divulgação

“Eu vou roubar a cena neste filme bem debaixo do seu nariz e você sabe que eu sou capaz!”, diz Bette Davis (Susan Sarandon) para Joan Crawford (Jessica Lange) em um dos diversos teasers da série “Feud: Bette e Joan” que o canal FX está soltando nas redes sociais. A série chega ao Brasil neste domingo (12), pelo canal Fox+.

Na cena, Davis se refere ao filme “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?”, um clássico do suspense dos anos 1960 que colocaria para contracenar duas das maiores rivais da era de ouro de Hollywood. Em comum, tinham o fato de estarem em decadência e de, segundo rumores, nutrir uma pela outra um sentimento que é descrito no script como um “rancor nu e cru”.

Dirigido por Robert Aldrich, o longa conta a história de duas irmãs, “Baby” Jane e Blanche Hudson, também duas atrizes da mesma era, igualmente decadentes, mas com os seguintes elementos adicionais: ambas vivem aprisionadas em uma casa, Blanche está paralítica e depende dos cuidados de Jane, que por sua vez é alcoólatra e está começando a perder o juízo.

Bette e Joan nos bastidores das filmagens

Em uma entrevista dada em 2010 a um jornal paulistano, Miguel Falabella, um fã da história, disse que “daria um dente da frente” para ter visto os bastidores deste filme. “Feud”, que em português significa contenda, é uma série feita para isto. Diferentemente da montagem teatral que está em cartaz no Brasil com Eva Wilma e Nicete Bruno, que apenas reproduz o filme, o programa criado por Ryan Murphy conta não apenas as fofocas de bastidores, mas explora o envelhecimento de duas das maiores estrelas do cinema.

Murphy, que traz no currículo sucessos como “Nip/Tuck”, “Glee”, “American Horror Story”, “O Povo Contra O.J. Simpson”, disse durante lançamento da nova antologia que não queria que sua história se resumisse a um bate boca entre duas mulheres histéricas, mas que mostrasse como os estúdios, a imprensa de celebridades e até o diretor do filme exageravam na fofoca e botavam água na fervura para criar expectativa para o filme. Se as pessoas acreditassem que estava rolando sangue por trás das câmeras, iriam querer ver o resultado na tela.

“Com licença, tenho um Oscar para receber”

Outro aspecto da série, segundo o criador, é mostrar como a indústria do cinema trata atrizes quando elas envelhecem. O trailer oficial da série dá a entender que aquele filme, para ambas, era uma oportunidade de voltarem a ser reconhecidas e a terem mais trabalhos. Foi Joan Crawford, inclusive, que sugeriu a Aldrich que ela e Bette Davis contracenassem. Então, como no filme, as duas atrizes também dependiam uma da outra. E sabiam disso. Neste contexto, era importante que o filme fosse um sucesso. E ganhar um prêmio da Academia depois de tantos anos significaria a passagem de volta do poço do ostracismo.

“Feud: Bette and Joan”

Estreia neste domingo (12), às 22 horas, pelo canal Fox+

Por isso que um dos oito episódios de “Feud” acontece durante a cerimônia do Oscar de 1963. “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?” foi um sucesso de bilheteria, e Bette Davis, uma atriz cuja carreira começara na Broadway e que se entregava aos personagens mesmo que tivesse que ficar hedionda, foi indicada como melhor atriz. Joan Crawford, que embora tenha tido grandes papéis, sempre foi mais preocupada com a aparecia de mulher glamourosa e, portanto, não foi indicada.

Qualquer um que tenha visto esse filme percebe o quanto Davis engole Crawford em cena. Mas a rixa não permitia que a “mamãezinha querida” aceitasse o fato de que “a malvada” dera uma performance melhor que a dela. Joan decidiu então fazer campanha contra Bette e articulou para receber o prêmio caso sua amiga Anne Bancroft, que concorria na mesma categoria, fosse premiada, o que acabou acontecendo. A lenda diz que, naquela hora, Joan Crawford virou para Bette Davis e disse: “Com licença, mas eu tenho um Oscar para receber.”

Fogueira das vaidades

Uma fogueira de vaidades, certo? Não é o que Susan Sarandon disse à Gazeta do Povo. Para ela, o Oscar é, na verdade, uma espécie de ranking, que serve para comercializar os atores e atrair investimentos. Portanto, a luta das duas era uma luta pela sobrevivência de suas carreiras.

“Era o jeito de elas continuarem trabalhando. Não se trata de vaidades. As pessoas batalham por aquilo que lhes é dado com medida. Hoje em dia há fortunas gastas para se conseguir um prêmio. Não estou dizendo que prêmios são comprados, já fui mal interpretada quanto a isso, mas, digo, o dinheiro que é gasto para mandar cópias para as pessoas assistirem, darem festas em Palm Springs [para promover os filmes] e tudo o mais… E essas campanhas duram meses. Isso aumenta o valor do filme. E o Oscar é uma das coisas que servem de medida para as pessoas te contratarem. Ajuda a conseguir financiamento pro filme, sabe? Eu sou sempre apresentada como ‘vencedora do Oscar’, não como ‘cinco vezes perdedora do Oscar’.”

Anúncio feito por Bette Davis antes de estrelar “Baby Jane”

Para Jessica Lange, no entanto, a vaidade era uma das motivações de Joan Crawford, cuja tragédia pessoal a marcara para sempre. “Lendo sobre sua infância, percebi que a história se assemelhava a uma tragédia de Charles Dickens. Digo, a pobreza, os abusos físicos, a mãe que a rejeitava, a ausência do pai, os abusos sexuais de seu padrasto quando tinha apenas 11 anos. Se você avalia isso tudo, aí entende porque essa incrível ambição era tão importante para ela.”

Catherine Zeta-Jones também está no elenco de “Feud” interpretando outra grande dama do cinema clássico, Olivia de Havilland, que hoje está com cem anos de idade e que era amiga de Davis.

Para entender melhor como funcionava o “star system” da época, ela convidou o sogro, o ator Kirk Douglas, para um jantar, em que ele descreveu aquele como um período muito duro para todos os atores, mas especialmente para as mulheres. “Eu disse: ainda é, Kirk.”

“Para estar neste negócio, você tem que querer muito. batalhar muito e ser rejeitada muito jovem. Como mulher, conforme os anos passam, você é mais e mais rejeitada e mais e mais criticada. E então os papéis começam sumir e você tem que explicar para as pessoas por quê”, declarou a atriz à reportagem.

Mulheres no comando

Mas se depender de Ryan Murphy, as grandes estrelas e as mulheres não ficarão sem trabalho. Foi ele quem transformou Jessica Lange em ídolo teen em “American Horror Story”.

Carta que Joan Crawford teria mandado a Robert Aldrich reclamando do mau cheiro de Bette Davis

E também integram o elenco de “Feud” as veteranas Judi Davis, no papel da colunista de celebridades Hedda Hopper, Kathy Bates, como Joan Blondell, além dos veteranos Stanley Tucci, no papel do executivo Jack Warner, e Alfred Molina, como Robert Aldrich.

Inclusive quatro dos oito episódios da série foram dirigidos por mulheres graças ao trabalho que Murphy tem feito junto à Half Foundation, uma organização criada por ele cujo objetivo é dar oportunidades de trabalho a mulheres, negros e membros da comunidade LGBT.

A inspiração para isso, disse o diretor e produtor, foi uma conversa de quatro horas que teve com a própria Bette Davis, um mês antes de sua morte, quando ele ainda era jornalista. Segundo ele, ele pouco pôde publicar da entrevista. “Ela disse muita coisa em off, e eu estou usando tudo no roteiro da série.”

E completou: “Falamos de sua dor, sobre como ela lamentava ser mulher e sentir que apenas estava começando e, então, ter que ouvir que, na verdade, estava acabada. Foi uma honra, porque ela era tão diferente. Ela nunca se curvou ao que as pessoas achavam que ela deveria ser. E, caramba, ela era orgulhosa daquilo. Eu me lembro de pensar: vou viver minha vida deste jeito.”

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