Pois bem, fãs de “Game of Thrones”: eu vou dar spoilers daqui a pouco. Sei que teve algum evento esportivo na noite de domingo passado (a final da NBA), que, inexplicavelmente, despertou mais interesse entre alguns de vocês do que o duelo épico entre Jon Snow e Ramsay Bolton. Não estou condenando as escolhas de vocês, em parte porque sou libertária e em parte também porque “homens jogando uma bola entre si” não é objetivamente inferior a “homens se cortando em pedacinhos com espadas”.
Porém, aqueles entre nós que assistiram à matança gostariam muito de discutir a respeito, por isso sugiro que vocês adicionem esta coluna aos seus favoritos e voltem a ela depois de terem visto o episódio da noite de domingo. Assistam agora mesmo, aliás. O restante de nós temos negócios a acertar.
Lá lá lá. Esta é sua última chance de não ver spoilers.
Se continuarem, não vão poder me culpar por isso. Sério, pare agora se você gosta de “Game of Thrones” e ainda não viu o episódio de 19 de junho de 2016.
Ainda lendo? Certo, então. Até o momento, esse episódio foi um dos mais poderosos que já vimos em “Game of Thrones”, tanto visual quanto dramaticamente. As discussões entre Sansa e Jon sobre o que fazer com seu exército inadequadamente pequeno foram talvez as cenas mais verossímeis da série. E aí tem as cenas de batalha... Bem, sei que há quem prefira ainda a sequência assombrosa do combate contra os Caminhantes Brancos do ano passado, mas, para mim, esta foi, de longe, a cena de batalha mais poderosa que já vimos, não tanto por suas dimensões épicas, mas em termos de impacto emocional e dramaticidade visual. É extraordinário o grau com o qual ela capturou o caos e o medo de uma batalha medieval. E os pontos narrativos tinham um poder assombroso de prender o espectador, elevando constantemente a tensão, mas sem nunca elevá-la demais, a ponto de você perder de vista o aspecto dramático e se lembrar que, na verdade, o que você está vendo é só um bando de gente do século 21 correndo fantasiada para lá e para cá.
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Leia a matéria completaO episódio também fez valer o sadismo grotesco de Ramsay, chegando até a justificá-lo como escolha dramática, diante das críticas do público. Geralmente eu detesto esse tipo de vilão, em parte porque tenho estômago fraco, mas sobretudo porque eles são tediosos e monótonos. Nesse caso, porém, graças à bela atuação de Iwan Rheon e ao modo como seu comportamento de psicopata serve de pano de fundo para o amadurecimento tardio de Sansa, sua vilania deu ao episódio uma intensidade emocional que ele jamais teria se não fosse pelo medo de que Sansa poderia cair de volta em suas mãos. Eu me vi torcendo em voz alta quando a Casa Arryn chegou para salvar o dia, e isso não é lá uma coisa que eu costume fazer como telespectadora.
Então. Eu gostei muito do episódio. Amei, diria até. Foi um dos meus favoritos. Mas também foi absolutamente um dos piores episódios.
Não vou entrar em detalhes no tocante às minhas várias objeções quanto às táticas de combate empregadas nesse episódio. Irei resumi-las aqui com duas observações breves:
1) Flechas viajam numa velocidade menor do que a do som, e não deveria ser tão difícil para uma pessoa sozinha desviar de flechas a longa distância, se ela sabe que alguém está atirando nela. É mais como pegar uma bola de beisebol do que desviar de uma bala. Caçadores modernos que usam arco e flecha, quando tentam atingir um único alvo e possivelmente em movimento, costumam operar em distâncias de dezenas e não centenas de metros.
2) Eu entendo a referência à famosa Batalha de Canas, mas é muito provável que aquela manobra de pseudofalange não funcionasse como na TV.
Sim, sei que batalhas ficcionais não são como batalhas na vida real. “Táticas de falange não funcionam assim na verdade” e “a sua flecha desrespeita as leis da física” não são críticas das quais se espere que um roteirista de TV razoável vá querer dar ouvidos. Mas vamos falar daquela imensa muralha de cadáveres: legal de ver, mas por que todo mundo foi se arrastar pelo campo de batalha no meio de uma investida da cavalaria? Só para morrer um em cima do outro, numa pilha organizada? Estavam fazendo o quê? Tentando tirar foto para o anuário? Esse tipo de situação ridícula importa porque retira o espectador de sua imersão no drama e o lança no mundo do “O que diabos eles estão fazendo?” que é a alegria dos nerds da internet, mas que a maioria dos telespectadores odeia.
Surpresa problemática
O enredo dramático tinha problemas parecidos. Mindinho chega em tempo de salvar o dia – saindo de onde? Onde ele estava escondendo um exército daquele tamanho a uma única marcha noturna de distância, sem ser visto pelos batedores de Ramsay ou seus lordes leais? E, pior ainda, por que Sansa não mencionou a Jon que eles teriam um exército maior se esperassem mais um pouco? Bem, isso é porque, se tivesse sido assim, nós, como telespectadores, não teríamos esse momento de Noite Escura da Alma em que parecia que tudo estava perdido. Quando um roteirista é tentado a recorrer a esse mecanismo de “eu tenho um segredo!”, o que costuma sair são finais ruins. E também meios ruins, intervalos ruins no terceiro ato e epílogos ruins.
Não vou nem falar do deus ex machina que foi Mindinho ter chegado bem na hora. Só repito o que disse Ross Douthat, que apontou que agora essa é a quarta batalha consecutiva em “Game of Thrones” resolvida pela chegada de um exército surpresa. Seria melhor se os roteiristas conseguissem imaginar alguma outra solução para seus personagens em situações tensas, talvez soluções que envolvessem planejamento ou táticas melhores.
É óbvio que a maioria das pessoas não se importa com realismo em cenas de batalha. Nem com enredo também, senão Michael Bay já estaria desempregado. O que elas querem é, primeiro, sequências visualmente atordoantes e capazes de transmitir uma realidade emocional, e, em segundo lugar, o desenvolvimento dos personagens. O episódio realizou bem essas duas coisas, mas em todo o resto basicamente deixou cair a peteca.
Dinheiro demais
Eu fico um pouco preocupada sim com o fato de que as cenas visualmente impressionantes e a necessidade de uma estrutura narrativa dividida em três atos nesses episódios de batalha com maior orçamento começaram a tentar os roteiristas a parar de contar histórias que fazem sentido, conforme eles vêm indo além do material publicado por George R. R. Martin. Vemos bem como essa tentação predomina nos filmes de ação modernos, em que o objetivo é atrair um público internacional através de visuais incríveis e não um público doméstico com um roteiro esperto e coerente.
Cada vez mais parece que, para os diretores e produtores, o ponto de partida são certos cenários: Ei, e se jogássemos um carro de um avião numa montanha?! E se tivéssemos uma cena de duelo de espadas dentro de uma cena de perseguição de carro, em que o herói e o vilão estão em cima de dois carros costurando em meio às vias estreitas de um bazar no Cairo e desviando de granadas?! Depois, o trabalho do roteirista passa a ser fazer a engenharia reversa de um roteiro que, de algum modo, meio que leve até essas cenas.
Mas a televisão não está imune a isso também, porque é o que o público está condicionado a esperar: dizer “Uau!” em vez de “Sim, é assim que tinha que ser”. Essas cenas são um ótimo jeito de criar uns bons 15 minutos memoráveis. Mas o pessoal por trás do “Game of Thrones” devia parar, respirar fundo e relaxar. Nós já viciamos na história. O compromisso que os fãs têm é com uma série dramática de televisão de anos e não com uma sequência de picos de 15 minutos.
*Megan McArdle é colunista da Bloomberg View e escreve sobre economia, negócios e políticas públicas.
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