Filhos de imigrantes libaneses, os gêmeos Omar e Yaqub cresceram se odiando. A mãe, Zana, sempre deixou clara a predileção por Omar, apelidado de Caçula por ter sido o segundo a nascer. E a diferença de tratamento marcou a relação dos dois desde o começo. Ainda na infância, em Manaus, Yaqub teve o rosto cortado por uma garrafa “numa estocada certeira, rápida e furiosa” de Omar, como descreve uma das violentas passagem de “Dois irmãos” (Companhia das Letras).
No famoso romance lançado por Milton Hatoum em 2000, a agressão é motivada por ciúmes. Omar tem um ataque de fúria ao flagrar Yaqub sendo beijado por Lívia, menina cobiçada pelos dois. Foram necessários 13 pontos para costurar o rosto de Yaqub, que se tornou ainda mais introspectivo e ganhou uma cicatriz para o resto da vida.
A sequência é uma das marcas da minissérie que a Globo estreia nesta segunda-feira (9), às 22h20 (e que já tem três episódios disponíveis na plataforma de vídeos Globo Play). A adaptação de “Dois irmãos” para a TV, assinada pela roteirista Maria Camargo, “é totalmente fiel ao romance’‘, afirma o diretor Luiz Fernando Carvalho, que define a história como “um grande drama familiar”.
“A minissérie não tem mirabolância, efeito especial, é um trabalho de atores. A história se passa 90% no sobrado da casa de família”, conta Carvalho.
Tragédia anunciada
Premiado com o Jabuti em 2001, o livro narra uma tragédia anunciada. Ou uma “história de afetos, conflitos e sentimentos” nas palavras de Hatoum. Ambientada em Manaus entre os anos 1920 e 1980, a trama foi traduzida para 14 países, está na 23º reimpressão e já vendeu mais de 165 mil exemplares. Ganhou, ainda, uma versão em quadrinhos, assinada pelos também gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon, em 2015.
Como no romance, a minissérie, contada em dez capítulos, atravessa várias fases e é narrada de forma não linear por Nael. Interpretado por Theo Kalper, Rian Cesar e Irandhir Santos, ele é filho da empregada da casa, Domingas (Sandra Paramirim, Zahy e Silvia Nobre).
Na TV, os gêmeos são vividos por Lorenzo e Enrico Rocha, na infância; Matheus Abreu, na adolescência; e Cauã Reymond, na vida adulta. E Zana é dividida entre as atrizes Gabriella Mustafá, Juliana Paes e Eliane Giardini.
“O que faço é cotejar com a literatura”, diz o perfeccionista diretor de “Dois Irmãos”
Luiz Fernando Carvalho trabalhava na antes mesmo de“Velho Chico”, novela que antecedeu “A Lei do Amor” no horário das 21h
Leia a matéria completaCauã ainda era um ator iniciante quando leu “Dois irmãos”. E, já época, ficou interessado em interpretar Yaqub e Omar. “São dois grandes personagens. E os bons papéis masculinos estão raros”, diz.
Antes das gravações, o ator participou com o elenco de uma preparação que incluiu leituras, dramatizações e encontros com historiadores, antropólogos e filósofos. Envolvido com as filmagens de um longa na época, ele acabou perdendo justamente a palestra de Hatoum.
“Eu estava no Nordeste. Mas sabe que me deu alívio por não ter ido? Não queria contar isso para ninguém, mas a palestra iria aumentar minha expectativa, que já era grande. No fundo, eu queria a aprovação do Milton. E também morria de medo de o Luiz não gostar do que eu estava fazendo”, reconhece o ator. “Mas, sem querer ser arrogante, me preparei bem. Já entrei aquecido, com fome de set”.
A equipe de “Dois irmãos” passou 15 dias, entre janeiro e fevereiro de 2015, gravando em Manaus, na cidade de Itacoatiara e nas praias do Rio Negro.
Depois de interpretar o neto de Eliane Giardini em “Avenida Brasil” (2012), Cauã brinca que gostou mais de ser “filho”: “Sacudi, puxei, caí no colo dela... Fiz tudo o que poderia. A relação do gêmeo caçula com a mãe é de paixão”.
Para Eliane, a minissérie foi “exaustiva” e “intensa”. “Luiz não trabalha na zona do realismo, vai no íntimo, no seu desamparo. A gente precisa arregaçar as mangas e deixar o ego em casa “, conta a atriz, que inclui Zana no rol das mães “alucinadas, devoradoras, Jocastas, e possessivas”.
A história
Na história, Zana se casa jovem com Halim (vivido por Bruno Anacleto, Antonio Calloni e Antonio Fagundes nas diferentes fases da trama). A relação dos dois é bastante carnal, mas acaba corroída após o nascimento dos gêmeos. Eliane diz ter ficado com a fase mais barra pesada da personagem:
“Na primeira parte, ela vive a descoberta do amor; na segunda, está no auge da sexualidade. Na minha, há uma morbidez, uma perversidade. A escolha que Zana faz por um dos filhos é dilacerante. Todo mundo vai ficando de fora. No planetinha dela só há espaço para Omar”,
Antonio Calloni diz que o Halim feito por ele na fase adulta é movido pelo desespero. “Ele nasceu para amar a Zana e não queria filhos para não dividi-la com ninguém. Halim tem as características dos dois gêmeos: é autocentrado como Yaqub e furioso como Omar”.
Cauã lembra que, no fundo, os dois são vorazes. “Omar é devorador, troca de parceira constantemente. Numa das cenas ela está com uma mulher e briga com três caras. Eu me lembrei de uma sequência do ‘Senhores do Crime’, do David Cronenberg, com Viggo Mortensen. Gravei completamente nu a cena da briga e não me preocupei”.
Uma das parceiras de Cauã é a modelo Barbara Evans, filha de Monique Evans, que interpreta a Lívia disputada pelos gêmeos. Diretor que costuma apostar em nomes desconhecidos, Luiz Fernando Carvalho defende que em seu set não há hierarquia. “Para mim, não há diferenças entre o trabalho do Fagundes e o da Gabriela Mustafá, a Zaninha”, afirma diz o diretor.
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