Na era Trump, o grande comediante da televisão americana é um britânico com sotaque levemente regional e humor cáustico.
John Oliver, 39 anos, retorna no domingo com a quarta temporada de seu premiado programa na HBO, “Last Week Tonight”, em um momento no qual a presidência de Donald Trump é acusada de testar os limites da liberdade de expressão e de imprensa.
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Oliver, provavelmente mais que qualquer outro apresentador, ocupou o espaço deixado por Jon Stewart, o humorista americano que transformou a sátira política do país até se aposentar do programa “The Daily Show”, em 2015, justamente quando Trump começava sua caminhada para a Casa Branca.
E foi justamente no “The Daily Show” que Oliver ganhou fama. O programa o tirou da Inglaterra e deu um emprego ao britânico de 2006 a 2014, a princípio como “correspondente”.
Em 2013, ele substituiu Stewart como apresentador, quando o americano se afastou por alguns meses para dirigir um filme. Pouco depois, a HBO ofereceu a possibilidade do próprio programa.
“Last Week Tonight” foi ao ar pela primeira vez em 2014. Atrás de uma bancada, de terno, John Oliver faz comentários ácidos sobre temas importantes como os créditos às compras de automóveis, as escolas “charter” (que recebem fundos do governo, mas são independentes do sistema público escolar, às vezes privadas) e o desperdício de comida.
“Normalmente, você pega algo sério e transforma isto em algo bobo. Mas se você já tem algo estúpido, como você mostra às pessoas que isto é realmente mais importante do que parece? Este foi o problema ano passado”
Isto o transformou em uma voz respeitada, bem posicionada para a chegada de Trump ao poder. Um segmento sobre a campanha eleitoral foi assistido 31 milhões de vezes no YouTube.
“O ano passado foi bastante duro”, disse Oliver em uma entrevista a vários jornalistas em Nova York.
“Normalmente, você pega algo sério e transforma isto em algo bobo. Mas se você já tem algo estúpido, como você mostra às pessoas que isto é realmente mais importante do que parece? Este foi o problema ano passado”, disse.
Agora, Oliver espera que um trabalho difícil, mas de outra maneira. Ele afirma que a linguagem que vem da Casa Branca é “objetivamente perigosa”, por exemplo quando Trump afirma que a imprensa é a oposição.
Não apenas Trump
Mas também tem receio de dedicar muito tempo ao novo presidente.
No ano passado, ele dedicou apenas oito de 30 programas a Trump e à eleição. Na temporada de 2017 ele afirma que não deseja pegar “o caminho fácil de fazer com que tudo gire ao redor de Trump”.
O programa trabalha com histórias que não tem relação com o governo, embora de maneira tangencial quase tudo tenha “porque a solução para qualquer problema potencial tem que passar pela Casa Branca”.
Como no ano passado, quando abortou temas como o Brexit e a crise política no Brasil, John Oliver quer dar aos telespectadores uma ideia do que está acontecendo fora dos Estados Unidos, como por exemplo o avanço da candidata de extrema-direita Marine Le Pen na França antes das eleições de maio.
Equilíbrio
Apesar de Oliver não esconder necessariamente suas tendências de esquerda, ele acredita que seu rigor permite que alcance uma audiência mais amplia que a democrata e de centro.
Ele destaca, por exemplo, que um segmento sobre confiscos civis recebeu muitos comentários positivos em sites conservadores.
“Eu gostaria que até pessoas que são diametralmente opostas ao que eu posso ser politicamente consigam encontrar coisas interessantes no programa”, disse.
“Não poderão dizer ‘os fatos estão errados’, mas podem discordar absolutamente das minhas conclusões”.
Apesar do número relativamente pequeno de britânicos que fazem sucesso na televisão americana, John Oliver é um ponto ainda mais fora da curva porque era praticamente desconhecido na Inglaterra. Seu lar e sua carreira se encontram agora nos Estados Unidos.
“Em geral, os comediantes são outsiders. É um olhar de fora. E provavelmente ajuda ser de um país diferente”, opina.
Apesar de seu trabalho muitas vezes ser comparado com o jornalismo, Oliver prefere distância da comparação.
“É por isto que eu sinto uma obrigação ainda maior de bater o mais duro que eu posso. Eu tenho todas as ferramentas.”
“É bastante claro que não é jornalismo”, afirma, antes de destacar, no entanto, que seu programa depende do trabalho de repórteres investigativos.
“Não estou qualificado”, declara. “Nós precisamos de pessoas que façam a reportagem e que esta reportagem apareça na televisão para que possamos fazer clipes sobre isto”.
Ele também é consciente de que a liberdade de expressão consagrada na Constituição americana e o modelo da HBO, sem publicidade, dão a ele uma margem muito grande e nada comum no momento de escolher seus alvos, como por exemplo as grandes corporações.
“Eu não levo isto de maneira leve, o que significa que eu quero aproveitar pra valer”.
“É por isto que eu sinto uma obrigação ainda maior de bater o mais duro que eu posso. Eu tenho todas as ferramentas. Então eu não quero que você comece a sentir preguiça sobre isto”.
“Eu vou continuar tentando encontrar onde está essa linha”, conclui.
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