A popularização dos serviços de vídeo sob demanda por assinatura no Brasil, como a Netflix e o recém-lançado Amazon PrimeVideo, mexeu também com o mercado de tradução e legendagem no país. O volume grande de lançamentos e a necessidade de simultaneidade com a exibição de séries no exterior estão obrigando exibidores, distribuidores e produtores a acelerar a confecção de legendas em Português brasileiro para atender a demanda do público. O problema é que essa aceleração está custando a qualidade das legendas em PT-BR.
Guerra do streaming: Amazon se prepara para competir com Netflix no mundo todo
A Netflix tem acumulado reclamações sobre a qualidade das legendas disponíveis em seu serviço. Somente em um filme de seu catálogo, Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), a Gazeta do Povo contou 46 erros de legendagem, entre falhas de digitação, tradução errada, tradução literal, ortografia e afins (confira aqui os erros). Em uma das cenas, por exemplo, o personagem Todd Ingram (Brandon Routh) diz, no original, em inglês: “Your will is broken”, cuja melhor tradução se aproximaria de “sua força de vontade está fraca”. A legenda da Netflix, no entanto, traduziu literalmente a frase como “sua vontade está quebrada”, que sequer faz sentido em Português.
Os problemas com as legendas da Netflix já fizeram surgir denúncias de que a empresa estaria se apropriando de legendas feitas por grupos de legendeiros amadores da internet. Recentemente, o canal de TV por assinatura AXN foi flagrado utilizando legendas produzidas por um conhecido grupo de legendeiros da internet em uma das séries exibidas por ele, mantendo inclusive o crédito da equipe de tradutores amadores, cujas legendas costumam abastecer versões de filmes e séries piratas disponíveis na rede.
A um assinante que reclamou da qualidade das legendas de Scott Pilgrim Contra o Mundo, a Netflix respondeu que a responsabilidade pelas legendas é da produtora e distribuidora do filme, a Universal Pictures do Brasil. A empresa também já se manifestou publicamente sobre reclamações de assinantes afirmando que a maioria dos títulos disponibilizados pelo site não pertence à Netflix: “Quando um contrato é assinado, concordamos com todas as características do título, como legenda e dublagem. O tipo de legenda e os idiomas disponibilizados são decididos pela empresa que é dona do filme ou do programa de TV”. A Netflix não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo até o fechamento desta reportagem.
Qualquer usuário frequente da Netflix pode encontrar outros exemplos de legendas bizarras espalhadas pelo catálogo do serviço. Em um episódio da sétima temporada da série How I Met Your Mother, por exemplo, a legenda escreve incorretamente: “Agaichesse bem”, quando deveria escrever “agache-se”.
Na legenda de Bastardos Inglórios, enquanto o diálogo original diz “ninguém acha que o Urso Judeu é um golem” (figura do folclore judaico que ganha vida a partir de material inanimado), a tradução escreve: “ninguém acha que o Urso Judeu é uma galinha”. A Netflix disponibiliza a seus assinantes um link ao lado de cada filme ou episódio para que sejam relatados problemas de qualquer ordem na exibição do arquivo.
Legendar é diferente de traduzir, diz especialista
Para as empresas especializadas em tradução de audiovisuais, o aumento da demanda é bom para o mercado, embora não haja profissionais qualificados em número suficiente para atendê-la: “O número de profissionais qualificados e atuantes na área ainda é pequeno se compararmos à demanda de tradução audiovisual atual”, afirma a tradutora Leilane Papa, uma das proprietárias da Dispositiva, empresa carioca especializada em legendagem, fornecedora de trabalhos para a Globosat, entre outras empresas.
Leilane destaca que existe uma diferença importante entre a mera tradução de uma língua estrangeira e a adaptação de diálogos para legendas: “Quando lemos um livro, nós estamos diante apenas da tradução. Somos consumidores apenas da obra traduzida. Quando o assunto é legenda, já é bem diferente. O telespectador está ouvindo o original, vendo a imagem e comparando em tempo real com a tradução”, diz. Para Leilane, uma legenda bem feita é aquela que não atrapalha a experiência do espectador. “Assim como um livro que quando é lido em português não deve soar como tradução”, completa.
Um bom profissional de tradução e legendagem, diz Leilane, deve dominar muito bem o Português e fazer um curso especializado em tradução para legendas, para aprender as técnicas. “O tradutor precisa ser curioso e sempre querer aprender mais. Um dia a pessoa está traduzindo uma comédia romântica, no dia seguinte já é um documentário científico. Ou seja, a pesquisa tem que ser sempre bem feita para que o profissional não caia em armadilhas”, afirma. “Cada tipo de programa vai exigir um tipo de linguagem”, conclui.
Colaborou Beatriz Peccin
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