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Brit Marling no papel da misteriosa Prairie: bom começo, final ridículo | JoJo Whilden/Netflix/Divulgação
Brit Marling no papel da misteriosa Prairie: bom começo, final ridículo| Foto: JoJo Whilden/Netflix/Divulgação

Não consigo lembrar a última vez em que estive mais frustrada do que com o final da primeira temporada de “The OA”, um novo seriado do Netflix criado por Brit Marling e Zal Batmanglij, os talentosos cineastas que trabalharam em “Sound of My Voice” e “O Sistema”.

A dupla – que escreve em parceria seus projetos, estrelados por Marling e dirigidos por Batmanglij – são mestres na criação de situações misteriosas que exigem que os personagens e os espectadores confrontem aquilo em que acreditam e o porquê de acreditarem. E, por um tempo, eles fizeram o mesmo em “The OA”.

O seriado acompanha Prairie Johnson (Marling), uma violinista cega que está desaparecida há 7 anos e reaparece quando é capturada em um vídeo de celular pulando de uma ponte. Quando ela volta para a casa de seus pais, Nancy e Abel (Alice Krige e Scott Wilson), de alguma maneira recuperou a visão. E começa a reunir um pequeno grupo de estudantes do ensino médio (Patrick Gibson, Brendan Meyer, Brandon Perea e Ian Alexander) e uma professora de álgebra (Phyllis Smith) para lhes contar uma história.

A história começa com uma experiência de quase-morte que lhe tirou a visão em sua infância e a perda do pai oligarca russo que ela adorava, e continua por através de sua adoção por Nancy e Abel, as mentiras que o doutor Hunter Hap (um Jason Isaacs tipicamente excelente) lhe contou para atraí-la para o porão em que a aprisionou junto com outros jovens, e os experimentos macabros que ele realizou com eles – matando-os e ressuscitando-os repetidamente – em uma tentativa de documentar o que ocorre após a morte.

Em meio de elementos de dança moderna, reinterpretações do pop dos anos 90 e imagens enigmáticas que são uma marca registrada das colaborações entre Marling e Batmanglij, “The OA” parece, por um tempo, estar se juntando a uma série de trabalhos recentes que tem desafiado as narrativas de recuperações pós-trauma rápidas e convenientes que são mais pensamento positivo para as pessoas que lidam com sobreviventes de trauma do que as realidades dos próprios sobreviventes.

O quarto

O romance “O Quarto de Jack”, de Emma Donoghue, e a adaptação para o cinema ganhadora do Oscar em que estrelam Brie Larson e Jacob Tremblay, encontraram uma nova perspectiva ao contar a história de Jack (Tremblay), um garoto nascido em consequência do estupro de sua mãe por seu sequestrador e que nunca morou em outro lugar a não ser seu cativeiro. “O Quarto de Jack” celebrou a resiliência de Ma (Larson) e nunca hesitou no seu retrato do que Velho Nick (Sean Bridgers) tinha feito com ela. Mas também sugeriu que o quarto que era uma cela sombria para Ma também podia ser o querido lar de Jack e que, depois de serem resgatados, o processo de aclimatação à vida que deveriam ter vivido seria longo e difícil – tão difícil que às vezes parecia impossível. A rápida recuperação que teria sido conveniente para os pais de Ma (Joan Allen e William H. Macy), que queriam poder celebrar seu retorno, é outro fardo para ela carregar.

“Unbreakable Kimmy Schmidt”, a sitcom de Tina Fey e Robert Carlock sobre uma mulher (Ellie Kemper) que tenta recomeçar sua vida em Nova York depois de ser resgatada de um cativeiro abaixo da terra, pode ter sido cor-de-rosa, assim como os tons de roupa preferidos de Kimmy (até certo nível, seus gostos congelaram na idade em que foi sequestrada). Conforme ela tentava navegar uma cidade gigantesca, Kimmy foi alvo de golpes, ficou confusa e foi mal compreendida, assim como acolhida e, até certo nível, explorada por pessoas em busca de uma glamurosa proximidade com seu trauma. Ela foi capaz de reunir a alegria e o entusiasmo que escaparam de Ma em “O Quarto de Jack”, mas sua normalidade exterior servia como um escudo que protegia Kimmy tanto da possibilidade de que outras pessoas descobrissem seu passado quanto do prospecto de confrontar seus mais perturbadores sentimentos.

Antes de desviar-se para sua ridícula conclusão, “The OA” às vezes parecia estar voltando sua mira afiada contra os tipos de histórias que as pessoas querem que sobreviventes contem.

Silêncio

Em uma cena, a mãe de Prairie, Nancy (Krige), fica histérica a respeito do silêncio da filha quanto a suas experiências. Ela quer saber se Prairie foi estuprada, espancada, mantida em uma gaiola; ela anseia pelos detalhes pornográficos do sofrimento de sua filha, embora acredite que já sabe o que aconteceu. A repulsiva fantasia de violência sexual que Nancy imagina é muito mais mundana do que a história que Prairie está desfiando. E, quando os estudantes e professora para quem Prairie está contando sua história descobrem uma série de livros que os levam a imaginar se seu fantástico relato do cativeiro é uma invenção, ficam despedaçados entre a dúvida e um desejo de se prender à fé que lhes deu uma estranha pequena comunidade.

Ao se recusar a nos contar o que é verdade, “The OA” desvia o foco para o que Nancy e os seguidores de Prairie querem acreditar que aconteceu com ela, e para por que podem querê-lo. Para Nancy, imaginar que Prairie foi estuprada e confinada dá forma ao vácuo que está consumindo sua mente: saber é melhor que não saber e, se algo horrível aconteceu com Prairie, Nancy recorre a espécies familiares de horror. Os seguidores de Prairie, em contraste, querem acreditar que algo transcendente e cheio de significado veio do sofrimento dela e que o conhecimento que ela obteve pode, por sua vez, dar significado às suas próprias vidas.

Mau gosto

Desenvolver essas ideias até algum final, ou simplesmente terminar com um tom mais ambíguo, como o filme de Marling e Batmanglij de 2011 “Sound of My Voice” fez, teria deixado em um lugar desconfortável e poderoso os espectadores de “The OA”, questionando o que exigimos de pessoas que passaram por traumas.

Ao invés disso, “The OA” fez uma das coisas de mais mau gosto que vi um programa de televisão fazer em algum tempo, e não é nem mesmo revigorante; é apenas chocantemente de mau gosto. Um atirador de escola, essa ameaça distintamente americana, chega ao colégio, arma automática em punho. E, embora primeiro se acovardem debaixo das mesas do refeitório, os seguidores de Prairie afastam suas dúvidas a respeito da história e dos ensinamentos dela e começam a realizar uma sequência de movimentos que ela lhes disse que abriria um portal para outra dimensão. Suas ações não exatamente realizam milagres, mas de fato distraem o atirador por tempo o suficiente para que um funcionário do refeitório o derrube, embora Prairie leve um tiro no processo.

O fracasso da sua “tecnologia”, contrastado com o instinto que a levou a correr para a escola, parece desenhado para usar um tipo particularmente traumático de violência para semear dúvidas, que façam o espectador voltar para a próxima temporada, a respeito da veracidade da história de Prairie e de sua afirmação de que possui grande poder. Mas ao substituir um tipo de violência por outra, e fazê-lo por um efeito tão barato, “The OA” efetivamente desiste não apenas dos personagens que foram aprisionados com Prairie, que podem ou não ser reais, mas também de sua melhor e mais perturbadora ideia a respeito da violência e do que se segue a ela.

Tradução: Pedro de Castro

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