Donald Trump: não existiria Trump, o Político, se não tivesse antes existido Trump, o Astro da TV. Uma coisa gerou a outra.| Foto: DOMINICK REUTER/AFP

Procurando alguém em específico para culpar pela ascensão improvável de Donald Trump?

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Apesar de haver muitas opções, uma das melhores é dar uma boa olhada em Jeff Zucker, presidente da CNN Worldwide.

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Foi Zucker, afinal, que, como novo chefe da NBC Entertainment, deu a Trump, à época investidor no mercado imobiliário, um começo no mundo dos reality shows com “O Aprendiz” e então se aproveitou ao máximo da sua tendência para o sucesso, extraindo disso toda a audiência e lucros que podia.

“O programa foi construído virtualmente como um anúncio constante do estilo de vida Trump e seu império”, como afirma o livro “Trump Revealed” [Trump Revelado, em tradução livre, ainda inédito em português], dos jornalistas Marc Fisher e Michael Kranish, do Washington Post.

E seu sucesso foi selvagem – aumentando os índices de audiência da emissora, além de propulsionar a carreira meteórica de Zucker. Por sua vez, com Zucker, o programa deu espaço a “Aprendiz de Celebridade”, outra extravagância da família Trump. E Zucker, então, se tornou chefe da NBC no geral.

O executivo fez de Trump sua galinha dos ovos de ouro. Quando o astro do reality show se preparava para casar com Melania Knauss, em 2005, Zucker se dispôs a transmitir o casamento ao vivo (mas Trump, estranhamente, recusou).

Não há nenhum equívoco, porém: não existiria Trump, o Político, se não tivesse antes existido Trump, o Astro da TV. Uma coisa gerou a outra.

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Dez anos depois, foi Zucker, agora chefe da CNN, que deu a Trump quantidades assombrosas de exposição gratuita na TV a cabo nas primárias presidenciais do Partido Republicano, exibindo continuamente os seus discursos e comícios – muitas vezes sem comentários críticos e sem verificação de fatos.

“Não seria injusto culpar a CNN e afirmar que eles investiram tudo em Trump e lhe deram uma ajuda enorme”, disse Ken Lerer, cofundador do Huffington Post e BuzzFeed, numa entrevista recente na faculdade de jornalismo da City University of New York. “Eu acho que foi uma estratégia, uma estratégia de programação”.

É claro, no entanto, que a CNN não estava sozinha. A Fox News também tem sido há meses um megafone para Trump. E quase todos os jornais tiveram um papel nisso – desde as manchetes dos jornais impressos até o rádio e os noticiários da noite.

Audiência. Cliques. Público. Pode-se dizer o que for sobre Trump como ser humano ou possível futuro líder do mundo democrático, mas ele tem um talento inefável para atrair atenção. Ele mesmo já se proclamou “uma máquina de audiência”. E, no mundo da TV, audiência significa lucro.

“Pode não fazer bem para a América, mas faz bem demais para a CBS”, disse Leslie Moonves, presidente da CBS, sobre o fenômeno Trump em março, segundo o Hollywood Reporter.

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“O dinheiro está entrando, e isso é ótimo. É uma coisa terrível para se dizer. Mas vai fundo, Donald. Continue assim”.

O entusiasmo de Moonves deixa claro que a loucura da audiência infecta toda a TV comercial, bem como, é claro, também os canais da TV a cabo, em particular.

Ninguém estendeu o tapete de boas vindas com mais alegria, porém, do que a CNN, que se anunciava como “o nome mais confiável do jornalismo”. E, diferente da Fox, que é abertamente conservadora, a CNN se apresenta como apartidária. Supostamente, ela deveria ser a alternativa de meio de caminho entre a Fox e, mais à esquerda, a MSNBC.

E foi a CNN também que contratou o ex-gerente de campanha de Trump, Corey Lewandowski, como analista, cargo no qual é forçado, por um acordo de não divulgação, a não dizer nada negativo contra Trump e no qual continuou – até a semana passada – a receber sua indenização por cessação de serviços da campanha, mesmo enquanto promovia o candidato no ar.

Ingratidão

É certo que a CNN ostenta muitos jornalistas ótimos e, nas últimas semanas, a emissora tem sido bem mais rígida com Trump. Aparentemente, o próprio candidato percebeu isso. Não só ele tem se refugiado agora na Fox News, como ainda seus tweets desse último mês vêm demonstrando uma certa ingratidão pelo auxílio dado no passado, ao chamar a CNN de “insuportável de assistir” e o próprio Zucker de “fracassado”.

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É inegável que a cobertura política beneficia a todas as emissoras da TV a cabo. A audiência na semana passada disparou em todas as três – e isso é um verdadeiro maná no deserto, numa indústria cujos números vêm despencando desde 2014 e cujos telespectadores têm uma idade média de 60 anos, ao passo que a geração mais nova acompanha tudo, não na TV, mas grudada nos seus celulares.

Eu pedi a Zucker, diretamente e através do seu representante, para que fizesse algum comentário sobre isso para esta coluna, mas me disseram que ele estava indisponível. No passado, ele ignorou as acusações de que a CNN tivesse sido em alguma medida irresponsável em suas decisões de cobertura.

Será que podemos culpar um executivo de TV como Zucker por fazer o seu serviço – lutar para atingir o máximo de índices de audiência e lucros possíveis?

Talvez não na NBC, onde Zucker, como chefe da divisão de entretenimento, não tinha qualquer responsabilidade em relação ao interesse público ao fazer de Trump um astro de reality show.

Mas, quando o assunto é a cobertura de notícias da CNN – seu jornalismo –, temos uma questão diferente em mãos. As decisões ao cobrir uma campanha presidencial deveriam levar em consideração aquilo que é melhor para os seus cidadãos, junto com o que é melhor para os acionistas da Time Warner.

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Há quem possa dizer que tudo que a CNN fez foi apontar um espelho para Trump, e foram os eleitores que o escolheram livremente em vez dos seus concorrentes republicanos. E agora os eleitores têm a oportunidade de o escolherem livremente no lugar de Hillary Clinton, que piorou o problema da cobertura ao ser o completo oposto de Trump – incapaz de criar uma conexão emocional com os eleitores e até mesmo de fazer notícia, o que é uma tarefa básica na política. Em parte por ter sido tão reservada, ela acabou cedendo um quase monopólio jornalístico ao seu rival mais carismático.

Mas é essa, afinal, a função da imprensa, de responsabilizar os candidatos, não fornecer-lhes publicidade.

Duas vezes Zucker favoreceu Trump. E duas vezes Trump favoreceu Zucker.

Mas, e quanto ao restante de nós?

*Margaret Sullivan já foi a editora pública do New York Times e editora-chefe do The Buffalo News, o jornal de sua cidade natal, e hoje é colunista de mídia do Washington Post.

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Tradução: Adriano Scandolara