Com 199 episódios, seis temporadas e outras duas já agendadas, “Hora de Aventura” se consolida cada vez mais na cultura popular contemporânea. A série corresponde a um desses desenhos cultuados por integrantes de faixas etárias distintas: pergunte às crianças com tevê a cabo, ou às experts em internet, e você concordará com metade dessa afirmação. Pergunte aos jovens adultos já imersos em internet e você concordará com ela por completo. Não há prazo de validade para acompanhar as peripécias do garoto Finn e seu cão Jake, um melhor amigo dotado de poderes mágicos.
“Hora de Aventura” não é o primeiro desenho ou animação a agradar infantos gregos e troianos aposentados. “Apenas um Show”; “Archer”; “Frango Robô”; “Simpsons”; “Futurama”; “Invasor Zim” e tudo que sai da cabeça de Hayao Miyazaki (“A Viagem de Chihiro”, “Ponyo”) costuma atrair idades discrepantes por razões diferentes, revelando profundidade rara em sua recepção. Da mesma forma, animações de grande orçamento, como todos os filmes da Pixar, sempre visam a públicos bastante ampliados. A linha entre infantil e adulto foi borrada há muito, e uma audiência mais velha já não indica necessariamente maturidade superior.
Em vários aspectos, pois, “Hora de Aventura” claramente entende as gerações mais recentes. Criada por Pendleton Ward e desenvolvida no Cartoon Network, a série é frenética, com seus episódios de 11 minutos rodando um liquidificador explosivo de influências que emulam RPGs clássicos, histórias em quadrinhos e videogames. Os gráficos coloridos, somados aos personagens tão excêntricos quanto carismáticos, conferem ao ambiente uma atmosfera de viagem completa. Ambiente e personagens, aliás, são cada qual um parágrafo à parte.
Existe, por sinal, um contexto tão sutil quanto macabro na ambientação. Apesar de manter o ritmo inquieto de uma criança ao ouvir o sino do intervalo escolar, “Hora da Aventura” se passa na Terra de Ooo, um contexto pós-apocalíptico posterior a nada menos que um holocausto nuclear — a Guerra dos Cogumelos. Tal peculiaridade explica parcialmente a magia desse universo, cujos elementos sinistros são situados aqui e ali, sem se tornar o foco da narrativa.
Por sua vez, vilões são empáticos como raramente se vê; as personagens femininas, incluindo princesas, passam longe de ser submissas; heróis e antagonistas apresentam problemas psicológicos reais — até passado amoroso! A série definitivamente não atende a critérios unidimensionais de criaturas boas e más, sejam elas corações falantes, vampiros ou reis malucos.
A premissa de “Hora de Aventura” simboliza o momento cultural em que foi concebido. Diante da impossibilidade do novo e do chocante, frente à saturação da informação e ao empoderamento gradual do público, cada vez mais crítico que o próprio crítico, vivemos uma explosão cultural que ninguém entende e ninguém controla.
A obra de Ward, ao invés de temê-la, mergulha nela de cabeça. E fornece aquilo que crianças procuram explicitamente, enquanto adultos esperam que chegue espontaneamente: um pouco de magia. “Hora da Aventura” é exibida no canal pago Cartoon Network.
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