Acredito que existirão muitas coisas que vou ter problemas para explicar sobre esse período da história política e cultural americana para pessoas que não o viveram. Nessa lista está como um pequeno programa de comédia num canal premium de TV a cabo que só ocasionalmente conseguiu ter audiências maiores de um milhão de espectadores conduziu a crítica e um debate cultural.
“Girls”, de Lena Dunham, começou sua última temporada no último domingo. Existiram muitas coisas para brindar e criticar no programa, mas entre seus maiores feitos estão como nos provocou a pensar sobre nós mesmos, nos personagens da série e na brilhante, compartilhadora exagerada e divisora criadora.
Escrever sobre “Girls” foi inevitavelmente um esforço pessoal. Eu sou um pouco mais velha que as personagens. Assim como Hannah Horvath, eu sou uma escritora mas, ao contrário dela, não escrevo com um tom confessional sobre mim mesma. Quando entrevistei Dunham no festival South by Southwest em Austin em 2012, logo antes do programa começar a ser exibido, eu tinha acabado de conhecer o homem que se tornaria meu marido.
Veja o trailer da sexta temporada
Se alguns críticos assistiram “Girls” e viram suas filhas, as meninas de “Girls” eram minhas contemporâneas e nós vivemos nossas vidas em caminhos paralelos — mas completamente diferentes. A crítica é uma prática extremamente pessoal, claro, mas sempre me questionei se minha proximidade geracional com os personagens de “Girls” não afetava mais a minha reação ao programa do que minhas preferências estéticas.
Máquina de Goldberg
Se foi intencional por parte de Dunham e seus colaboradores ou não, “Girls” sempre funcionou como uma máquina de Goldberg, um gesto inicial que engatilhava uma série de complexos mecanismos que se encaminhavam para um resultado muito mais simples do que todos os problemas que causava. Algumas vezes, Hannah e seus amigos pareciam feitos para atiçar um certo transtorno nos espectadores.
Como escrevi no ano de estreia do programa, “Girls” brincava com a fórmula do anti-herói apresentado personagens cujas características negativas eram codificadas como femininas ao invés de masculinas, mostrando como somos mais dispostos a aceitar personagens que mentiam, assassinavam e manipulavam do que personagens que eram indecisos e se autossabotavam.
Dos três episódios da nova temporada, o melhor deles se chama “American Bitch” e mostra Hannah como a adulta que pode se tornar. Ela escreveu um artigo criticando um autor proeminente, encenado por Matthew Rhys, que a convence a ir para o seu apartamento para ouvir o seu lado da história. Eles discutem e a conversa vai se movendo de quarto a quarto do elegante apartamento que não poderia ser mais diferente dos cubículos que Hannah e seus amigos moram.
Em uma temporada anterior, Hannah pode até ter aparecido em uma reunião logo após ter consumido chá de ópio ou tido um argumento comicamente ruim. Mas agora, ela está mais resistente e sensata, misturando sua retórica emocional com alguns pontos bastante lógicos. No fim, a inversão do episódio não é mostrar como Hannah é ridícula, mas sim que ela esteve certa esse tempo todo.
Muito a dizer
Mesmo no meio dos turbilhões que giram em torno de “Girls”, Dunham e seus colaboradores entregaram episódios com essa sofisticação intelectual, emocional e visual por anos. A manhã quieta de Hannah em Coney Island no fim da primeira temporada, o fim de semana perdido em “One Man’s Trash”, a confrontação de Hannah com seus pais sobre o fim do casamento deles em “Daddy Issues”, o retrato de independência e solidão em “Japan”, o remake da história dos filmes em “The Panic in Central Park” e a reflexão sobre Kitty Genovese em “Hello Kitty” são exemplos impressionantes de escrita e arte cinematográfica.
E o rosto de Dunham é uma das melhores ferramentas da televisão agora. Ver seus olhos lacrimejarem e sua boca começar a sorrir quando descobre que foi aceita no Workshop de Escritores de Iowa; vê-la ficar firme e triste em uma incubadora segurando um bebê e se recusando a voltar com seu grande amor; ou observá-la murchar enquanto tenta se animar com o fim de um caso foi um dos maiores prazeres dos últimos cinco anos.
Mesmo assim, quando a HBO anunciou que a sexta temporada da série seria sua última, fiquei aliviada. No tempo que tenho trabalhado como crítica, “Girls” foi a fonte de algumas das mais frutíferas e frustrantes conversas que já tive, desde conversas sobre raça e representação, sobre como respondemos a personagens femininas, sobre a diferença entre um programa de meia hora e uma comédia. Mas Dunham tem muito a dizer. Estou pronta para vê-la fazendo isso de uma forma em que as pessoas possam olhar através dela para entender suas ideias.
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