| Foto: Guilherme Paixão/

Tenho um hábito que deixa a maioria das pessoas horrorizadas. Eu vejo televisão e filmes acelerando com a função de avanço rápido. Isso vem ficando cada vez mais fácil em computadores (já mostro como faz) e as economias de tempo são imensas. Quatro episódios de “The Unbreakable Kimmy Schmidt” cabem numa hora. Vai-se uma temporada inteira de “Game of Thrones” numa viagem de ônibus de Washington, D.C. para Nova York.

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Comecei a fazer isso faz uns anos já para deixar a minha vida mais eficiente. Entre séries online na moda, séries visionárias na TV a cabo e importações da BBC, hoje tem-se mais programação do que nunca para se ver, tanto que alguns executivos estão preocupados que a indústria esteja oferecendo mais do que o público é capaz de assistir. Em 2015, havia um total de 412 séries com roteiro no ar, o que faz dele um ano recorde nisso, com quase o dobro do número de séries de 2009.

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“Há simplesmente televisão demais agora”, afirmou o CEO da FX Networks, John Landgraf no ano passado. Bobagem, respondeu o chefe de conteúdo da Netflix, Ted Sarandos, que vem comissionando séries novas num ritmo alarmante. “Não existe isso de TV demais”, ele disse.

Então, aqui estamos nós, gastando em média três horas por dia para tentar conseguir acompanhar os Kardashian, os Stark, os Underwood e uma dúzia de outros nas listas de séries obrigatórias, que têm explodido nessa era de públicos fragmentados. Hoje, para conseguir acompanhar a conversa entre grupos diferentes de amigos – os que odeiam o “Chad da Carne” de “The Bachelorette” e os que babam com a Khaleesi em “Game of Thrones” –, a gente tem que assistir TV no atacado.

E é aqui que entra o truque de assistir os vídeos em velocidade 1,5x ou 2x – a última revelação na tradição milenar que é tecnologia alterar a arte da narrativa.

E é aqui que entra o truque de assistir os vídeos em velocidade 1,5x ou 2x – a última revelação na tradição milenar que é tecnologia alterar a arte da narrativa. Muitos já devem estar familiarizados com o conceito. Durante anos, podcasts e audiobooks têm oferecido opções para aceleramento, e as pesquisas mostram que a maioria das pessoas prefere escutar com a velocidade acelerada.

Mas acelerar vídeos é mais do que só um truque de eficiência. Eu logo descobri que isso dá mais prazer para os seriados. “Modern Family” indo duas vezes a velocidade normal é muito mais engraçado – as piadas vêm mais rápido e parecem pegar com mais força. E eu fico menos frustrado com seriados que querem me fazer perder tempo com enredos de “encheção de linguiça” ou com violência gratuita.

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Softwares dão uma mãozinha

Nos últimos anos, os softwares têm facilitado muito a tarefa de acelerar vídeos. Isso era impossível de fazer na era do VHS. Mas os computadores podem acelerar com facilidade qualquer vídeo que você ponha neles. É possível rodar filmes em DVD ou comprados no iTunes em qualquer velocidade. O YouTube permite que você selecione um fator de aceleramento, se quiser. E um engenheiro do Google fez uma extensão popular para o Chrome que permite acelerar a maioria dos outros vídeos na web, incluindo os do Netflix, Vimeo e Amazon Prime.

Mais de 100.000 pessoas já baixaram esse plug-in, e as avaliações são entusiasmadas. “Ai meu Deus! Eu me arrependo de todo o tempo que eu perdi na vida antes de descobrir essa pérola!!” escreveu um usuário.

Também acabei desenvolvendo outros hábitos, conforme me acostumei a consumir minhas séries no computador. Eu não assisto mais de forma linear: muitas vezes fico indo e voltando para ver com mais atenção cenas mais complexas ou passar por cima das mais chatas. Em outras palavras, eu assisto TV como leria um livro. Eu pulo trechos. Releio. Às vezes acelero. Às vezes diminuo o ritmo. Confesso que essas novas técnicas de ver TV tiveram um efeito estranho na minha noção de realidade. Não consigo mais ver TV em tempo real. O cinema me parece sufocante. Preciso ter a liberdade de ir e voltar e acelerar e diminuir o ritmo, para poder dosar a minha atenção conforme necessário. A reclamação mais comum que escuto é que isso destrói a experiência do cinema. Annette Insdorf, professora de cinema na Columbia University, me disse: “Às vezes ver um filme é como fazer amor: a sedução a longo prazo não é mais gratificante do que só um prazer temporário?”

Porém, quanto mais fui aprendendo sobre a história e a ciência do consumo de mídias, mais passei a acreditar que esse é o futuro de como apreciaremos televisão e cinema. Talvez nem todo mundo veja acelerando que nem eu, mas assistiremos no nosso próprio ritmo.

Assisto TV como leria um livro. Eu pulo trechos. Releio. Às vezes acelero. Às vezes diminuo o ritmo. Confesso que essas novas técnicas de ver TV tiveram um efeito estranho na minha noção de realidade. Não consigo mais ver TV em tempo real. O cinema me parece sufocante.

De certo modo, o que está acontecendo com o vídeo lembra o que aconteceu com a literatura, quando paramos de ler em voz alta e começamos a ler em silêncio, sozinhos. No começo da Idade Média, as pessoas pararam de se reunir em grupos para ouvir histórias ou notícias ou estudar religião. Elas podiam fazer isso sozinhas com o texto e seus próprios pensamentos, numa liberdade sem precedentes que levou a mudanças políticas e religiosas e mudou para sempre a vida intelectual.

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Com os computadores, o consumo de vídeo também está começando a se tornar um ato solitário em ritmo próprio – e talvez até mesmo um ato mais analítico também. Se você acredita, como eu, no potencial artístico da televisão e do cinema, então talvez estejamos à beira de outra transformação cultural – com os espectadores finalmente tomando controle do meio. E isso o transformará em algo melhor.

Barreira do som

“The Unbreakable Kimmy Schmidt”: quatro episódios em uma hora 

Por muito tempo, a vida foi limitada pelo ritmo da fala. Apesar de termos sistemas de escrita há milênios, os primeiros textos foram feitos para a leitura em voz alta, o que significa que a literatura se desdobrava no ritmo da fala humana.

Muitos documentos antigos gregos e latinos, por exemplo, não tinham pontuação, nem espaços ou distinção entre letras maiúsculas e minúsculas, o que faz com que seja um desafio tentar compreendê-los sem ler as palavras sílaba por sílaba. “Um texto escrito era, em essência, uma transcrição, que, como a notação musical moderna, se tornava uma mensagem inteligível só quando era apresentada oralmente para os outros, tanto quanto para si mesmo”, escreve o historiador Paul Saenger.

Há limites físicos para a nossa velocidade de formar sons, como qualquer um que já tenha tentado dizer um trava-língua pode confirmar. A boca precisa de tempo para assumir a posição da próxima vogal ou consoante. Uma boa estimativa do ritmo natural da fala em inglês é de 200 a 300 sílabas por minuto, o que se traduz em de 150 a 200 palavras por minuto.

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Segundo a Audible, a empresa de audiobooks, uma gravação de livros típica se dá a 155 palavras por minuto. Um estudo de 1990 descobriu que radialistas fazem 160 palavras por minuto, em média, ao passo que as conversas do dia a dia, que usam palavras mais curtas, giram em torno de 210.

Muitos documentos antigos gregos e latinos, por exemplo, não tinham pontuação, nem espaços ou distinção entre letras maiúsculas e minúsculas, o que faz com que seja um desafio tentar compreendê-los sem ler as palavras sílaba por sílaba

Durante boa parte da história humana, essa era a barreira do som que limitava a comunicação de ideias.

Não é que a leitura silenciosa fosse impossível na Antiguidade. Só era muito difícil. Há histórias de eruditos que pareciam conseguir absorver os livros em silêncio. No século quarto, Santo Agostinho contava de um velho monge que lia sem formar as palavras na boca.

“Quando ele lia”, escreve Agostinho, “seus olhos corriam a página, e seu coração buscava o significado, mas sua voz e sua língua não se moviam”. Os historiadores debatem se esses leitores em silêncio eram vistos como aberrantes ou se a prática só era meramente incomum.

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Até mesmo nos séculos quinto e sexto, a leitura costumava ser uma atividade em grupo. Uma pessoa lia em voz alta, enquanto as outras ouviam. Mesmo para escribas que copiavam manuscritos sozinhos, o ato de leitura se dava junto com a fala. Muitos monges do começo da era medieval que haviam feito voto de silêncio ainda tinham permissão para balbuciar enquanto liam, como aponta Saenger, porque esse gesto era considerado parte do processo de leitura.

Na Idade Média, os escribas começaram a introduzir espaçamentos e pontuação nos textos, que facilitaram muito a leitura em silêncio para todo mundo. A prática começou nos mosteiros do século 10 e aos poucos se disseminou nas bibliotecas das universidades uns cem anos depois, até que, por fim, chegou à aristocracia europeia por volta dos séculos 14 e 15, segundo o historiador Roger Chartier.

A leitura solitária deu às pessoas espaço para se envolver com o texto, a liberdade de pensar de forma crítica e às vezes herética. Opiniões polêmicas demais para leituras em grupo poderiam ser disseminadas e consumidas em privado. O resultado, segundo os historiadores, foi um florescimento intelectual, científico – e espiritual – na Europa.

A técnica da leitura solitária e em silêncio libertou as pessoas da lentidão da palavra falada – bem como também do julgamento dos outros. A leitura solitária deu às pessoas espaço para se envolver com o texto, a liberdade de pensar de forma crítica e às vezes herética. Opiniões polêmicas demais para leituras em grupo poderiam ser disseminadas e consumidas em privado. O resultado, segundo os historiadores, foi um florescimento intelectual, científico – e espiritual – na Europa.

“A leitura privada, secreta e em silêncio deitou as bases para ousadias até então impensáveis”, escreve Chartier. “No final da idade média, mesmo antes da invenção da imprensa, textos heréticos circulavam de forma manuscrita, ideias críticas eram exprimidas e livros eróticos, com suas devidas iluminuras, desfrutavam de um sucesso considerável”.

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Chartier chama a leitura silenciosa de “a outra revolução” – junto com a imprensa e a disseminação da alfabetização, esses desenvolvimentos criaram, ao mesmo tempo, a oferta e a demanda para vastas quantidades de textos escritos. O ritmo mais rápido da leitura em silêncio acelerou a disseminação de novas ideias e catapultou a sociedade ocidental rumo à cisma religiosa e política.

“Essa ‘privatização’ da leitura é inegavelmente um dos maiores desenvolvimentos culturais do começo da era moderna”, argumenta Chartier.

Velocidade do pensamento

O que a leitura em silêncio também revelou foi que o ritmo do pensamento humano ultrapassa de longe o da fala. Radialistas falam a 160 palavras por minuto, mas alunos de ensino superior podem confortavelmente devorar um texto a 300 palavras por minuto, o que também parece ser a velocidade mais eficiente para compreensão de leitura, em média.

Algumas pessoas, é claro, leem mais devagar, e outras leem com muito, muito mais velocidade. A beleza do texto é que nós podemos absorvê-lo em nosso próprio ritmo. O mesmo não vale para gravações audiovisuais, pelo menos não durante boa parte do século 20. Se você acelerar demais uma fita ou disco de vinil, as vozes ficam agudas e ininteligíveis. Até 1950 era muito difícil acelerar gravações, que foi quando os pesquisadores fizeram algumas descobertas sobre a fala humana.

“Game of Thrones” : uma temporada inteira cabe numa viagem de ônibus de Washington, D.C. para Nova York. 
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Descobriu-se que os sons da voz falada são, em grande parte, redundantes. Vogais e consoantes duram mais do que o necessário para que nós as compreendamos. No final da década de 1940, pesquisadores de Harvard descobriram que podiam ocultar mais da metade de uma gravação de áudio sem prejudicar a compreensão dos ouvintes. O truque envolvia deixar o áudio mudo e então retorná-lo ao normal rapidamente. Essas lacunas de silêncio eram breves o suficiente para que o cérebro dos ouvintes pudesse preenchê-las com facilidade. As palavras ficavam interrompidas, mas permaneciam perfeitamente inteligíveis.

“É como ver uma paisagem através de uma cerquinha”, escrevem os pesquisadores. “A cerquinha interrompe a vista em intervalos regulares, mas a paisagem ainda pode ser percebida como algo contínuo por trás das cercas”.

Uma equipe de engenheiros da University of Illinois logo teve uma outra ideia: em vez de deixar as lacunas, por que não retirá-las e colar o que sobrava do áudio? Por exemplo, deletar os milissegundos ímpares de áudio reduzia a gravação à metade de sua duração original. Esse novo modo de acelerar o som, que viria a ser conhecido como o método de sampleamento, tinha o benefício de não fazer as pessoas ficarem com voz de esquilo.

Na década de 1960, um psicólogo cego chamado Emerson Foulke começou a fazer experimentos com esta técnica para acelerar a fala. Professor na University of Louisville, Foulke ficava frustrado com a lentidão dos audiolivros para cegos, por isso tentou acelerá-los.

O método de sampleamento acabou demonstrando ser de uma eficácia surpreendente. Nos experimentos de Foulke, a fala poderia ser acelerada até 250-275 palavras por minuto sem afetar as notas dos participantes em seu teste de compreensão oral. Tais limites eram curiosamente muito próximos da média de leitura de alunos de ensino superior.

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Foulke começou a suspeitar que, se fosse além de 300 palavras por minuto, os processos mais profundos do cérebro começavam a ficar sobrecarregados. Os experimentos demonstraram que, entre 300 e 400 palavras por minuto, as palavras individuais ainda eram distintas o suficiente para serem compreendidas, porém, nesse ritmo, muitos ouvintes já não conseguiam acompanhar o fluxo rápido de palavras, provavelmente porque suas memórias de curto prazo estavam operando além da capacidade.

A descoberta mais assombrosa, porém, foi a de que as pessoas gostavam de escutar o áudio acelerado. Os universitários preferiam as gravações quando elas eram aceleradas em cerca de 30%, de 175 palavras por minuto para 222.

É claro que alguns se deram melhor do que outros. Assim como as pessoas naturalmente leem em ritmos diferentes, havia variações no quanto os indivíduos eram capazes de entender o discurso acelerado. Estudos posteriores encontraram uma conexão com as capacidades cognitivas. Os ouvintes com maior inteligência, bem como os leitores mais rápidos, tinham maior aptidão em entender as gravações aceleradas (a NSA já considerou certa vez a possibilidade de usar testes envolvendo discurso acelerado para selecionar possíveis operadores de código morse).

A descoberta mais assombrosa, porém, foi a de que as pessoas gostavam de escutar o áudio acelerado. Foulke e seus colegas notaram que os universitários preferiam as gravações quando elas eram aceleradas em cerca de 30%, de 175 palavras por minuto para 222. Estudos mais recentes descobriram que, se puderem escolher, as pessoas preferem aumentar a taxa de execução do áudio entre 40% a 50% em média – uma aceleração de 1,4 a 1,5 vezes.

Essa tendência vale para vídeo também, como demonstrado por experimentos com palestras filmadas e até mesmo com programas do Discovery Channel. Aumentar a velocidade de um vídeo parece poder afastar o tédio e ajudar as pessoas a manter o interesse. “Com o ritmo mais lento, minha atenção acabava falhando, e eu me concentrava demais nos detalhes”, disse um participante dos testes aos pesquisadores da Microsoft.

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Truque comum

Às vezes, as pessoas sequer notam que estão vendo o vídeo acelerado. Empresas de TV a cabo costumam acelerar de leve o vídeo dos programas para fazer caber mais anúncios, mas a diferença pode ser difícil de detectar – em parte porque o cérebro se adapta fácil a velocidades maiores.

Nas décadas de 1970 e 1980, o Departamento de Defesa começou a investigar a possibilidade de usar a compressão de fala como um modo de melhorar o aprendizado. Experimentos financiados pelo exército demonstraram que as pessoas podem ser treinadas para compreender gravações aceleradas. Apenas algumas semanas de exposição regular pareciam já alterar o modo como as pessoas percebiam e processavam a linguagem, o que as levava a preferir ritmos mais e mais rápidos.

Algumas dessas mudanças ocorrem dentro de minutos. Um experimento de 1997 descobriu que ouvir só cinco frases em discurso acelerado já aumentava as taxas de compreensão subsequentes em 15%. Esse processo pode estar relacionado ao modo como nossos cérebros se ajustam para compreender sotaques com os quais não estamos familiarizados. Você já percebeu que, com o tempo, vai ficando mais fácil entender pessoas com sotaques estrangeiros? Não são eles, é o seu cérebro que faz as adaptações a curto prazo.

Nossos cérebros também fazem adaptações a longo prazo com o discurso acelerado. O treinamento contínuo aumenta as taxas de precisão das pessoas e seu conforto com gravações aceleradas. Resultados de ressonância magnética funcionais demonstraram mudanças no modo como seus cérebros respondem à fala. Relatos anedóticos apontam também que muitos participantes dos testes descobriram que a exposição repetida a discursos acelerados os fizeram passar a estranhar o discurso em velocidade normal.

Isso parece ter acontecido comigo também. Após alguns meses vendo vídeos acelerados no meu computador, a televisão ao vivo começou a me parecer de uma lentidão excruciante. Ilya Grigorik, o engenheiro do Google que inventou a extensão para o Chrome, teve uma experiência semelhante. Ele assiste com regularidade a vídeos em velocidade dupla, ajustando o ritmo para mais rápido ou mais lento dependendo do quanto as ideias forem mais ou menos complexas.

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“Sempre que eu descrevo isso para as pessoas, elas me olham muito estranho”, ele disse. “Mas depois acabo convencendo-as a experimentar. É desconfortável para elas a princípio, mas depois que elas começam a curtir, elas curtem de verdade”.

Vagar pelos sentidos

Todos nós criamos nossos próprios caminhos ao lermos um texto. Eu raramente leio um livro direto de cabo a rabo. Eu faço desvios, volto e sempre vejo o resumo do enredo na Wikipédia para saber o que vai vir na sequência. Os psicólogos da University of San Diego descobriram que as pessoas apreciam mais uma história depois de descobrirem qual é o final. O suspense, pelo visto, é superestimado.

O romancista russo-americano Vladimir Nabokov acreditava que a releitura era o único jeito de se apreciar um romance de verdade. É só na segunda ou terceira passagem pelo romance que podemos nos dar conta de todos os seus segredos e esquemas mais amplos. Sobre o encontro inicial, ele disse certa vez: “Quando lemos um livro pela primeira vez, o próprio processo de deslocar os olhos laboriosamente da esquerda para a direita, linha após linha, página após página, esse trabalho físico complicado com o livro, o próprio processo de aprendizado em termos de espaço e tempo de que trata o livro, tudo isso atrapalha o caminho entre nós e a fruição artística”.

Não há nenhum jeito certo de apreciar um livro. O crítico literário Roland Barthes nos encorajava a não tratar os romances de forma tão literal ou linear, mas sim a vagar em busca de nossos próprios sentidos. Por que, então, ainda vemos televisão linearmente? Por que nos entregamos ao ritmo determinado pelo diretor do filme? Será que não podemos encontrar modos mais interessantes de aproveitar nosso tempo esparramados no sofá?

O romancista russo-americano Vladimir Nabokov acreditava que a releitura era o único jeito de se apreciar um romance de verdade. É só na segunda ou terceira passagem pelo romance que podemos nos dar conta de todos os seus segredos e esquemas mais amplos

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Por muito tempo, a resposta era que a tecnologia simplesmente não permitia isso. Mas, com a ascensão da televisão no computador, todo mundo pode tomar as rédeas do seu próprio percurso pelo vídeo.

Muitas vezes eu consumo reality shows em velocidade dupla ou mais rápido que isso até, porque já estou familiarizado com a linguagem desses programas. Para mim, “The Bachelorette” é como comer caranguejo. Eu sei quais são as partes saborosas e também sei quais não são comestíveis. Esse estilo alternativo de ver TV é iluminador.

Em dupla velocidade, a cena do Casamento Vermelho de “Game of Thrones” cruza o limiar do drama para a farsa. Você começa a ver como os diretores forçam para criar um momento de máximo trauma, como as cenas de morte são exageradas, como o massacre opera parecido com os movimentos mecânicos de uma indústria de processamento de carne.

Recentemente descrevi meus hábitos de telespectador para Mary Sweeney, que trabalhou na edição do clássico do cinema cult cerebral “Cidade dos Sonhos”. Ela riu, horrorizada. “Tudo que você disse é simplesmente o anátema de um editor de cinema”, ela me disse. “Se você não tem respeito pela edição de um filme, tente editar você mesmo uma hora! É muito difícil”.

Sweeney, que também é professora da University of Southern California, acredita no privilégio do diretor como autor. Ela me contou uma história sobre como eles removeram todas as quebras de capítulo da versão de DVD de “Cidade dos Sonhos” para preservar a visão do diretor. “O filme, que levou dois anos para ser feito, foi criado para que a sua experiência, do começo ao fim, seja vista como uma coisa só”, ela afirmou.

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Eu discordo. “Cidade dos Sonhos” é num dos meus filmes favoritos, mas é um filme intencionalmente onírico e às vezes incompreensível. A versão em DVD até inclui pistas do diretor David Lynch para ajudar as pessoas que se veem perplexas diante do seu enredo. Eu aconselho que marinheiros de primeira viagem assistam com o controle remoto na mão para afastar a desorientação. Um uso liberal dos botões para frente e para trás permite que se tracem conexões entre diferentes seções do filme.

Eu encontrei um espírito afim em Peter Markham, que dá aula de direção de cinema no American Film Institute Conservatory. “Essa noção de privacidade, de assistir em privado e formar a sua própria catedral da narrativa – isso é muito interessante”, ele disse. “Mas é uma experiência, para mim, mais intelectual ou cerebral. O negócio da narrativa dramática é que ela cria uma experiência emocional, visceral, subconsciente. Essas coisas têm o seu próprio ritmo, sua própria insistência”.

Markham é da opinião que o filme é mais do que um fluxo de diálogos ou uma sequência de eventos. O tempo das imagens marca o nosso cérebro de um modo especial. “Se você acelerar um filme do Hitchcock, se acelerar ‘Janela Indiscreta’, você não vai ter a mesma experiência”, ele disse. “É como tentar acelerar uma música da Beyoncé. Ela já vem no ritmo perfeito”.

Tratar a TV como livro

Não me ocorreu na hora, só depois, que é claro que as pessoas mexem nas músicas da Beyoncé o tempo inteiro. DJs fazem cortes, esticam trechos, colocam batidas novas, pegam trechos de vocal para fazer canções novas. E hoje também os fãs do cinema se envolvem com formas de remixagem criativa. Eles criam montagens com seus personagens favoritos. Criam até programas inteiramente originais através da reedição de outros já existentes. Por exemplo, o ator Topher Grace fez, famosamente, a sua própria versão não-autorizada dos filmes de “Star Wars”, episódios I a III, chamada “Episódio III.5: O Editor Contra-ataca”. Quem assistiu diz que é uma obra de mestre de reconfiguração desses três filmes problemáticos.

Henry Jenkins, teórico de mídia da University of Southern California, me lembrou que essa reciclagem criativa vem ocorrendo nas comunidades de fãs há décadas. Ao longo da carreira, Jenkins vem estudando a ascensão da “cultura participativa” – os modos pelos quais os fãs assumem o controle de suas histórias favoritas através de zines feitos por fãs, artes dos fãs, ficção feita por fãs e, mais recentemente, vídeos feitos por fãs. “Os fãs rejeitam a ideia de uma versão definitiva produzida, autorizada e regulada por algum conglomerado da mídia”, escreveu Jenkins há mais de uma década. “Em vez disso, eles têm a visão de um mundo em que todos nós podemos participar do processo de criação e circulação dos principais mitos culturais”.

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Talvez a cultura dos fãs ofereça a visão mais otimista do futuro do consumo de mídia. O poder do autor está diminuindo, mas a nossa apreciação pela forma de arte vem aumentando. Mais e mais, veremos TV nos nossos computadores, no nosso próprio ritmo, criando nossos próprios significados e derivando os nossos próprios prazeres particulares.

O poder do autor está diminuindo, mas a nossa apreciação pela forma de arte vem aumentando. Mais e mais, veremos TV nos nossos computadores, no nosso próprio ritmo, criando nossos próprios significados e derivando os nossos próprios prazeres particulares.

“Acho que a sua experiência é muito parecida com a minha”, disse Jenkins. “Eu, de fato, trato a televisão cada vez mais como um livro. Entendo totalmente a analogia, e é um bom modo de pensar sobre o grau de controle que temos agora sobre o que assistimos – que vem crescendo com o tempo, com os videocassetes, depois aparelhos de DVD, e agora streaming e distribuição digital. Estamos aprendendo a pensar a televisão de uma forma diferente”.

“Estou completamente convencido que tudo fica melhor numa caixa coletânea”, ele acrescentou.

A Netflix, que é, em essência, a mina de ouro das caixas coletânea, facilitou muito esse tipo de experiência televisiva mais cuidadosa. Esse é um dos motivos pelos quais as séries vêm se tornando tão populares nos últimos anos. Como o público pode correr atrás dos episódios perdidos com facilidade – muitos deles já estão assistindo tudo de uma só vez, mesmo –, é possível contar histórias mais longas, mais complicadas e menos repetitivas. O botão de voltar permite que a televisão se torne um pouco mais sofisticada. Se você não entendeu na primeira vez, é só assistir de novo.

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Mas a disseminação da experiência televisiva solitária e personalizada não significará a morte da cultura televisiva – é bem o contrário. As pessoas assistem um episódio e o dissecam no Twitter. Elas compartilham suas cenas favoritas e as reassistem repetidamente. “Conforme ver TV vem se tornando uma atividade mais solitária e pessoal, o lado positivo é que as comunidades de fãs estão se fortalecendo”, me diz Jennifer Holt, pesquisadora sobre mídia da University of Californa, em Santa Barbara. “As pessoas ainda buscam uma conexão. Elas ainda querem a experiência social, só que agora isso se dá online”.

Essa prática ampliou o diálogo entre os criadores e os consumidores de televisão. “Os criadores das séries, roteiristas e diretores agora estão com uma sensibilidade extrema àquilo que diz a blogosfera sobre os seus programas”, afirmou alguns anos atrás Paris Barclay, presidente do Directors Guild of America. Barclay, que trabalhou com seriados como “Glee”, “Empire” e “Scandal”, observou esse fato com um pé atrás. “Algumas séries têm ficado cada vez mais chatas, porque os fãs desencorajam que elas corram riscos”, ele disse. “Os telespectadores em geral gostam de ver uma versão diferente da série que eles amam. Eles, na verdade, não querem vê-la se tornando alguma outra coisa”.

Bardos como Homero contavam uma história para uma sala cheia de gente, prestando atenção ao que eles gostavam ou não. O mesmo era válido para Dickens, cujos romances eram publicados em folhetim. Ele alterava os enredos e personagens na hora, conforme precisasse

Mas, como aponta Jenkins, o teórico de mídia, os criadores sempre adaptaram sua obra para se adequar aos ouvintes. “A narrativa é uma mídia bárdica”, ele afirma. “Bardos como Homero contavam uma história para uma sala cheia de gente, prestando atenção ao que eles gostavam ou não. O mesmo era válido para Dickens, cujos romances eram publicados em folhetim. Ele alterava os enredos e personagens na hora, conforme precisasse”.

Agora que as ferramentas facilitam cada vez mais para o público poder alterar o fluxo do modo como vemos filmes e séries, os telespectadores também terão o poder de alterar o enredo e os personagens de uma série para que se adeque aos seus gostos. Devemos esperar um futuro que envolverá mais dessa polinização cruzada, mais teorias loucas de fãs, mais mal-entendidos criativos, tudo isso possibilitado pelos novos modos de consumo de televisão, sejam eles o consumo compulsivo dos episódios um atrás do outro, seja vendo trechos em mídias sociais ou até mesmo assistindo com o vídeo acelerado. Arriscamos transformar, talvez até de forma permanente, os modos pelos quais nossos cérebros percebem as pessoas, o tempo, o espaço e as emoções. E isso não é maravilhoso?

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