Marlos - com Pedro Ken ao fundo - está confirmado entre os titulares| Foto: Rodolfo Bührer / Gazeta do Povo

OBRAS

• O Papagaio & Outras Músicas (7Letras, 72 págs., R$ 25) – Livro-áudio que reúne os contos e um CD com músicas de Thiago Picchi.

• Sexo, Drogas e Tralalá (7Letras, 64 págs., R$ 12) – minicontos, em parceria com Fábio Fabrício Fabretti e Ana Paula Maia.

• Os Rumores Imprecisos das Conversas Alheias (7Letras, 112 págs., R$ 27).

NA TELINHA

• Novela Páginas da Vida, na Rede Globo (2006/07).

• Novela Marisol, no SBT (2002).

• Você Decide (episódios "Noite de Natal", de 1997, e "Amigo É pra Essas Coisas", de 1995).

• Malhação (1997).

• Novela Quem É Você na Rede Globo (1996).

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Para não ser decapitada, Sherazade contou histórias ao sultão durante mil e uma noites. Thiago Picchi se inspirou na obra mais conhecida da literatura árabe para compor um personagem que sobrevive contando ao patrão histórias que escuta na rua. "É uma Sherazade de calças. O mundo mudou e, hoje, perder o emprego é tão cruel quanto perder a cabeça", conta. Daí, o nome de seu terceiro livro, Os Rumores Imprecisos das Conversas Alheias.

O nome do autor lhe parece familiar? Thiago Picchi é o professor de música homossexual que namora o médico Rubinho (Fernando Eiras) na novela Páginas da Vida. Como seu personagem na telinha, o ator também é músico. E, para completar, escreve desde 2005, quando lançou seu primeiro livro, a antologia de contos O Papagaio & Outras Músicas, que acompanha um CD com músicas de sua autoria. Logo depois, publicou os minicontos Sexo, Drogas e Tralalá, em parceria com dois amigos, Fábio Fabrício Fabretti e Ana Paula Maia.

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Atuar é coisa que sabe fazer desde criancinha, e deve ter aprendido por osmose – os pais são os atores Marcelo Picchi e Elizabeth Savalla. Mas, Thiago é um artista que pode ser chamado de "poli e valente", como ele mesmo apelidou Naum Alves de Souza, homem do teatro que atua em várias frentes – é diretor, dramaturgo, cenógrafo e figurinista. Ele leu seu primeiro livro, gostou e resolveu assinar a orelha do romance.

Também convidou Thiago para participar de um projeto no qual poderá unir as três expressões artísticas que são as "coisas mais caras da minha vida". Adaptou O Papagaio... para os palcos e, em maio, abre temporada no Rio de Janeiro com um monológo, dirigido por Naum, em que interpreta um personagem que, adivinhem, também é músico.

Na novela, Thiago sente-se privilegiado ao levar ao público músicas de Pixinguinha e Tom Jobim. "Isso é raro na televisão", comenta. Além disso, sente-se feliz por interpretar um homossexual. Em sua primeira aparição na televisão, na novela Quem É Você, de Ivani Ribeiro, de 1996, ele viveu Thales, um rapaz que se travestia de mulher, Thaís. "Sinto-me estimulado ao fazer personagens diferentes de mim. Geralmente as novelas almejam o realismo e, por isso, chamam atores muito parecidos com seus personagens, para interpretar eles mesmos", diz.

Romance feito de histórias

Mas, vamos ao livro. Seria um romance? Thiago reluta um pouco para rotulá-lo. "É um romance, mas feito de histórias", diz. Ele conta que escreve como ouviu Hermeto Pascoal cantar: "Música é que nem filho, a gente faz e depois dá o nome". O livro, de mais fôlego, surgiu exatamente como os contos, no calor da escrita.

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O estranho nome da cidade, Vacaselva, é só um exemplo do processo de escrita de Thiago. Como bom músico, ele se orienta pelo som. "Achei o nome sonoro", conta. É assim, misturando tudo, que Thiago gosta de ser artista. "Quando era adolescente, me sentia angustiado porque achava que tinha que optar por algo. Hoje, vejo que não é assim. Quando escrevo, estou lidando com os personagens. Isso me ajuda muito no teatro. E a musicalidade é muito útil para escrever", explica.

As várias histórias colhidas na rua pelo protagonista bem poderiam ser contos independentes. João tem ouvido e memória prodigiosos. Descobre isso ao cumprir a função que o prefeito e governador de Vacaselva, João Camargo, lhe solicita: ouvir conversas alheias e depois descrevê-las a ele minuciosamente. Assim, "essas conversas não lhe serão mais alheias e passarão a fazer parte de sua vida e, conseqüentemente, da minha. Preciso saber o que o povo pensa, João", justifica.

Ao longo da narrativa, a vida de João ganha sentido a partir dos fragmentos dessas histórias, que vão se encaixando para formar uma peça única, exatamente como o personagem faz com as peças de Lego, pelas quais nutre uma obsessão quase patológica.

Pobre e solitário, João tem um único amigo, João Haya, que trabalha usando pernas-de-pau para divulgar uma loja de brinquedos. Há algo de muito estranho com ele: ninguém nunca o viu descer do instrumento de trabalho. Exceto João, que leva um susto tremendo ao vê-lo sem calças e, no entanto, passa a sentir-se mais próximo do amigo ao compartilhar segredos bizarros, que os sufocavam. Um deles, é um assassinato que não foi descoberto. Na infância, João empurrou da escada uma colega de escola feia e com mau-hálito que não largava do seu pé. A menina pretendia adivinhar os pensamentos e classificar os silêncios de João e dava conselhos como "a vida é um grande palco, onde você é o protagonista" e "João, you can make your dreams come true". Dá mesmo vontade de atirar pela janela.

Apesar de insólito, o personagem João se parece com gente comum. "Por isso, se chama João", explica Thiago. Como aliás todos os outros personagens masculinos. Ele se questiona sobre o sentido das coisas, a necessidade de ter planos para o futuro, a própria existência e lembra fatos desagradáveis que não sabe como exorcizar, como a rejeição da mãe. "É insuportável ruminar infinitos ‘porquês’ sozinho", reflete o personagem. Seus atos, na opinião de Thiago, não são mais absurdos do que a vida. "A ficção não prescinde da lógica, ao contrário da vida", diz.

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