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Bibliografia

Livros de Bernardo Carvalho, editados no Brasil pela Companhia das Letras (as exceções estão indicadas):

Contos

Aberração (1993)

Romances

Onze (1995)Os Bêbados e os Sonâmbulos (1996)Teatro (1998)As Iniciais (1999)Medo de Sade (2000)Nove Noites (2002)Mongólia (2003)O Sol Se Põe em São Paulo (2007)

Crônicas

O Mundo Fora dos Eixos (Publifolha)

Antologias

Ilha Deserta: Filmes (Publifolha)

Bernardo Carvalho diz acreditar no poder redentor das artes. "Uma sociedade sem ficção, sem arte, sem transcendência, é muito mais opressiva. Mas essas são questões que parecem já não interessar as pessoas", diz, em entrevista ao Caderno G.

O escritor e jornalista, que mantém uma coluna quinzenal no jornal Folha de S.Paulo, acaba de lançar O Sol Se Põe em São Paulo, seu oitavo romance. Nele, um jovem descendente de japoneses, vivendo na capital paulista, é abordado pela dona de um restaurante que pergunta "você é escritor?".

O rapaz é, na verdade, um autor frustrado. Desistiu de escrever sem nunca ter tentado. Mas se sente atraído pelo modo enigmático com que a mulher o abordou. Em pouco tempo, ele se envolve em uma trama que o remete ao Japão e ao período da Segunda Guerra Mundial.

A opção por escolher um narrador japonês é quase uma reação a leitores que insistiam em associar Carvalho aos personagens de seus livros. Como romancista, ele parece disposto a defender o direito de criar histórias. "Inventar é uma conquista, um ato de rebeldia. E isso hoje está cada vez mais domesticado pelo mercado", diz.

Carioca nascido em 1960 e radicado em São Paulo, teve livros publicados em dez países. Por Nove Noites (2002), recebeu o Prêmio Portugal Telecom, dividindo-o com Dalton Trevisan (Pico na Veia).

Na entrevista a seguir, Carvalho fala sobre ficção, fatos e sua experiência como dramaturgo.

Caderno G – Uma das personagens de O Sol Se Põe em São Paulo parece dar à literatura um poder incomum. Uma vez escrita a história em sua versão "correta", ela poderia, enfim, descansar. Você também tem histórias que o "atormentam", que exigem ser contadas?

Bernardo Carvalho – Acho que é menos isso e mais uma espécie de fé (ou pelo menos vontade de acreditar) no poder de redenção da literatura e das artes, num mundo onde esse poder é negado quase que diariamente. A literatura e as artes (de resto como várias outras coisas) fazem cada vez menos sentido. E é por isso que acreditar nelas como redenção não deixa de ser uma forma de resistência.

A opção por um narrador descendente de japoneses é também uma forma de inibir a relação direta que leitores costumam fazer entre você e seus personagens. Por que, na sua opinião, as pessoas parecem valorizar uma história na medida em que revela algo sobre a intimidade do escritor (ou de quem quer que seja)?

Não só sobre a intimidade do escritor. É natural e humano que você se interesse mais por alguma coisa que de fato aconteceu, pela "história real". As pessoas preferem ler a biografia de um personagem real a ler a vida de um personagem imaginário. Preferem ler uma revista de fofocas a ler literatura. Se essa tendência, que já é hegemônica, se tornar absoluta, você vai acabar perdendo também a dimensão libertária da imaginação e da ficção na literatura. A parte da experimentação. Inventar é uma conquista, um ato de rebeldia. E isso hoje está cada vez mais domesticado pelo mercado. É possível que no futuro a ficção se torne exclusividade do cinema, da televisão e das narrativas visuais. O que seria uma grande perda.

Qual é o maior risco a que um escritor se submete quando decide entrelaçar fatos e ficção de um modo mais evidente (como na opção por citar escritor Junichiro Tanizaki na história)?

Na verdade, o livro deixa claro o tempo inteiro que o Tanizaki citado pode ser, como grande parte da história, invenção da personagem. Não vejo propriamente risco em citar personagens reais na ficção. No caso deste romance, isso só reforça o elogio da ficção, o partido da ficção. E não deixa de ser uma homenagem a um grande escritor e a um grande ficcionista.

Um dos detalhes que me chamaram a atenção é quando o narrador cita a sobrinha de Tanizaki que vive no Brasil. Seria essa uma referência direta à Leiko Gotoda, tradutora de Musashi ao português (e uma das tradutoras de As Irmãs Makioka, do próprio Tanizaki)? Ela o influenciou de alguma forma?

A Leiko não me influenciou, mas me ajudou bastante. Quando eu estava concebendo esse livro, resolvi procurá-la para saber mais coisas sobre o Tanizaki. Além de ser uma grande tradutora, ela foi muito gentil. Me falou sobre o tio e me esclareceu algumas dúvidas, mas não tem nenhuma responsabilidade no resultado final do romance.

Um livro, depois de lido, é capaz de figurar na memória da pessoa com a mesma força de uma experiência vivida. Se isso faz sentido, a linha que separa fatos e ficções pode se tornar ainda mais difícil de discernir. Na sua opinião, essa é uma discussão que vale a pena?

De certo modo, sim. É lógico que a realidade existe e não é a mesma coisa que a ficção. Posso dizer que sou imortal, mas por mais que eu diga vou acabar morrendo assim mesmo. Isso é o real. Mas a ficção também faz parte dele. Se você estiver decidido a praticá-la, é claro. Uma sociedade sem ficção, sem arte, sem transcendência, é muito mais opressiva. Mas essas são questões que parecem já não interessar as pessoas.

Para escrever O Sol Se Põe em São Paulo, você fez uma viagem de dez dias pelo Japão. A experiência foi determinante para o resultado final do livro?

Foi uma viagem muito breve, porque eu só tinha dinheiro para ficar uns dez dias no Japão. De algum modo, foi importante, porque eu pude ver os lugares sobre os quais estava escrevendo. Me deu uma dimensão mais concreta das coisas. Me possibilitou ambientar os personagens de uma forma menos inverossímil. Mas não foi determinante. O Edgar Allan Poe nunca tinha ido ao Pólo Sul e no entanto escreveu um belo romance (A Narrativa de A. Gordon Pym) que termina lá.

Por que você escolheu Junichiro Tanizaki? Pelos triângulos amorosos?

É um escritor que sempre me fascinou. É um grande escritor. Mas, além disso, ele é para mim um emblema da resistência da literatura e da autoria. E o romance fala disso o tempo todo. É um clichê dizer isso, mas o Oriente não costuma privilegiar as individualidades. São, em geral, sociedades do coletivo, da nação, da corporação etc. Me dei conta da opressão que isso pode significar quando fui à China. E então me pareceu muito intrigante que, numa sociedade como a japonesa, tenham surgido no século vinte, provavelmente sob forte influência ocidental, tantos autores e artistas, com estilos tão fortes e tão pessoais. Você pode citar o Tanizaki ou o (cineasta Yasujiro) Ozu ou vários outros. São autores que criam um estilo individual, irredutível, sem precursores nem seguidores, numa sociedade em que a subjetividade individual é transgressora. Essa afirmação do ato autoral para mim é importantíssima. Ainda mais numa sociedade como a brasileira hoje, que tende cada vez mais a negar o autor, associando-o a resquício do passado, em nome de uma criação coletiva indistinta, sem autor determinado, como se isso fosse sinônimo de mais democracia.

O narrador tem uma personalidade interessante. Ele quer romper com as raízes japonesas de sua família, mas também tem um certo desgosto por viver em São Paulo. É um escritor frustrado e acaba revelando um quê de investigador ao longo da história. Enquanto escrevia, que aspecto desse personagem mais o interessou?

O mal-estar do deslocamento, o sentimento de não pertencer a lugar nenhum. É um personagem que nunca é o que ele quer ser. Que nunca está onde gostaria de estar. E essa para mim é uma das condições fundamentais da criação artística. Uma insatisfação permanente com o que existe e que te leva a buscar a transcendência na arte.

Alguns escritores dizem que só conhecem a história que estão contando depois que a lêem impressa no papel. Outros preferem planejar todas as etapas da narrativa. Há até quem comece pelo final. O seu modo de escrever tem a ver com uma dessas descrições?

Cada livro é um livro. Neste romance, por exemplo, houve momentos em que, como o leitor, eu achava que sabia para onde a história ia, e de repente não sabia mais, tudo tinha se modificado. Talvez por isso tenha sido o livro que de todos me deu mais trabalho de escrita, embora a linguagem seja totalmente banal e simples. Eu devo tê-lo reescrito umas dez vezes.

O Festival de Teatro de Curitiba acaba neste fim de semana. Depois da experiência como dramaturgo, como ficou sua relação com o teatro? Ela o afetou também como espectador? Essa é uma carreira em que pretende investir?

Tenho o maior fascínio pelo teatro e gostaria muito de escrever outras peças. Mas não no esquema proposto pelo Teatro da Vertigem (grupo para que escreveu a peça BR-3, encenada às margens do rio Tietê no ano passado), que é muito específico. Foi uma experiência muito dura e muito reveladora. E acho que me fez crescer bastante. Aprendi muito. Adorei trabalhar com o Antonio Araújo, que é o diretor do grupo, e adoraria trabalhar de novo com ele. É um cara genial. Mas neste momento prefiro não precisar ter de berrar tanto para afirmar a minha autoria do texto.

Serviço: O Sol Se Põe em São Paulo, de Bernardo Carvalho (Companhia das Letras, 168 págs., R$ 34).

Bernardo Carvalho, escritor.

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