O fato de as comédias brasileiras fazerem tanto sucesso de bilheteria não é, em si, um problema, ou um mau sinal, já que estão, teoricamente, formando público para a produção nacional e gerando empregos. O que muito se questiona é a qualidade dos filmes, tanto na forma, que reproduz padrões televisivos sem qualquer maior narrativa e estética, quanto no conteúdo, muito conservador em vários aspectos.
Segundo o crítico e professor de cinema Heitor Augusto, salvo raríssimas exceções (ele cita como exemplos Vai Que Dá Certo, de Maurício Farias, e Os Penetras, de Andrucha Waddington), a maior parte dos filmes cômicos que triunfam nas bilheterias não pode ser chamada de cinema. "Raras são as que têm noção de que está na forma a possibilidade de discurso. São, sim, produtos audiovisuais, às vezes próximos demais e isso é problemático da linguagem televisiva, aquela que é quase toda baseada no texto, na repetição contínua da informação e na assunção de que o espectador não está frente à tela, assistindo à imagem, então é preciso mastigar sempre. Isso é muito evidente em Minha Mãe É uma Peça, talvez o pior título da safra recente."
Fábio Francener Pinheiro, mestre em Cinema pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), também enxerga na produção cinematográfica brasileira contemporânea forte ligação com a linguagem da televisão em vários aspectos, "Aposta em nomes e rostos conhecidos e em um formato já consagrado pela tevê, com enredos que, na maioria das vezes, giram em torno de problemas (envolvendo ou dinheiro ou sexo) com pessoas da classe média de grandes centros, como Rio e São Paulo."
Pinheiro diz não enxergar problema algum nisso, já que se trata de uma cinematografia que se pretende popular. "O problema é esse modelo se limitar aos mesmos enredos, rostos, piadas, estereótipos e locações."
Temáticas
Caso sejam analisados de maneira mais aprofundada, diz Heitor Augusto, quase todas as comédias do cinema brasileiro atual adotam um discurso conservador, trabalham sempre na chave da heteronormatividade, no extrato da classe média e sempre reafirmando a família à moda antiga como o modelo possível. "Crô O Filme [comédia de Bruno Barreto, protagonizada pelo personagem vivido por Marcelo Serrado na novela Fina Estampa, de Aguinaldo Silva, um mordomo homossexual] é um exemplo paradigmático do quão conservadora a comédia brasileira pode ser. E se repetem convenções da tevê, estão realmente formando público? Ou só estão se retroalimentando com esses quatro, cinco milhões de brasileiros que foram aos cinemas assisti-las?", indaga.
Tradição
Heitor Augusto e Fábio Francener Pinheiro reconhecem que a comédia é um um gênero historicamente muito popular, mas dizer que o país não se leva a sério, ou que o público só queira ver comédias, pode ser uma generalização perigosa. "Toda vez que buscarmos uma explicação totalizante a gente vai perder de vista as nuances. Há, sim, uma tradição forte de diferentes expressões de comédia. Grande Othelo é um, Oscarito é outro, Chico Anysio é outro; os Trapalhões retomam Oscarito etc. O Brasil é um país muito grande pra querer uma coisa só. O Brasil quer um monte de coisas senão as velhinhas não sairiam encantadas de Tatuagem [filme do pernambucano Hilton Lacerda, vencedor do Festival de Gramado], como têm saído, ou o canal GNT não investiria dinheiro no seriado Sessão de Terapia ou O Som ao Redor [premiado longa-metragem de Kléber Mendonça Filho] não teria chegado aonde chegou."
Pinheiro afirma que, enquanto há muito poucos filmes que passem em revista a história do país, há um número considerável de dramas sociais urbanos [como Cidade de Deus e os filmes da série Tropa de Elite] e comédias. "Então, ou temos uma obsessão em compreender esta realidade absurda e difícil que nos cerca ou nos afastamos dela e assumimos que ela só pode ser ironizada, avacalhada, jamais compreendida ou assimilada."
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