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Fernando Bini nasceu em Santa Catarina, mas considera-se um paranaense, tanto foi o tempo que viveu no estado, onde construiu uma carreira respeitada no campo do ensino e da crítica de artes visuais.

Primeiro, conta ele, veio o gosto pela pintura, que o levou à Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), "principalmente porque gostava da aulas de Adalice Araújo". "O que se oferecia era o magistério e, para isso, fui ajudado pelo professor Walter Hoerner, que indicou meu nome para o concurso no CEFET–PR. De lá, não parei mais com as aulas. Gosto de estar na sala de aula, pois é o espaço de criação intelectual", lembra.

O crítico Fernando Bini nasceu por observar que o desenvolvimento artístico de seus alunos não encontrava vozes que o reverberasse. "Eles tinham quem analisasse ou escrevesse sobre as exposições. Em minhas aulas procurava sempre fazer crítica pessoal, então porque não aplicar o mesmo método a obras que jamais haviam sido criticadas ou analisadas?"

Sua geração, avalia Bini, surgiu artisticamente nos anos 70, sob o jugo da ditadura militar, e teve o importante apoio da turma anterior, que implantou a arte moderna no Paraná, fundou o MAC (Museu de Arte Contemporânea) e possibilitou os Encontros de Arte Moderna. "Esse pessoal anterior não foi muitas vezes valorizado, mesmo tendo pertencido, marginalmente, às vanguardas internacionais. Me considero em dívida com eles e, quando posso, tento pesquisar e divulgar os seus trabalhos", comenta.

A seguir, trechos da entrevista concedida por Bini, professor de História da Arte na PUC–PR e UFPR:

Gazeta do Povo – O que você acha do ensino das artes no Brasil?

Fernando Bini – Todo o ensino depende do professor, mas também do aluno. Hoje, as facilidades teóricas são imensas, podemos ter acesso a tudo. O que mais me empolga ao falarmos de século 20 é justamente que, a partir dele, tudo pode ser documentado "em direto". Podemos ter conhecimento de tudo o que foi feito do ponto de vista da História, desde os tempos mais remotos, como também podemos saber o que está sendo feito neste momento em Nova Iorque, Tóquio ou Paris. Isto tem de ser aproveitado em sala de aula.

– São Paulo vive momentos de crítica à inexistência de uma Política Cultural, o que também é alvo dos artistas paranaenses, não é de hoje. Algo mudou nos últimos meses?

– Debate-se bastante, há fóruns, palestras, mas nada muda. Há um erro político, que não é só do Paraná, é brasileiro. Por exemplo, os diretores de museus sempre são escolhidos politicamente, fazem parte dos cargos de barganha eleitoral. O cargo é técnico. Enquanto não houver um profissional, com carreira, com visão mais longa do que quatro ou cinco anos, sem preocupação de render votos, não se poderá pensar em política cultural. Um segundo ponto, e que é paranaense: não temos mecenas. Há colecionadores, alguns com coleções magníficas, mas, pela falta de uma política cultural, possíveis financiadores temem o que acontecerá na próxima gestão. Neste momento, o MON tem a melhor reserva técnica para guardar obras de artes plásticas, mas, no passado, o MuMA tinha uma reserva exemplar. Quem garante que, mudando o governo, haja mais condições técnicas de manter o equipamento funcionando? Exagerando um pouco, quem doará um Matisse para ficar numa situação instável?

Neste momento há na cidade, à venda, uma coleção de gravuras, todas Provas de Artista, sendo duas inéditas (que não constam do Catalogue Raisoné), de Guido Viaro e que pertenceram à coleção da professora Roselys Roderjan. Não há um mecena que possa adquiri-las e doá-las para um dos nossos museus. É um material que deveria ser mantido na sua integridade e será, evidentemente, adquirido por um colecionador. Ou, pior ainda, fragmentado e vendido em unidades.

– A crítica especializada brasileira não é muito fechada no mundo das artes visuais?

– Há sempre os que gostam de mostrar uma erudição, ou mesmo uma falsa erudição, através do hermetismo. Outros são, eles mesmos, herméticos, e falam para si mesmos. Acho que o crítico deveria estudar um pouco com os jornalistas para saber que há vários tipos de linguagens. A acadêmica, sim, é linguagem para especialistas e se desenvolve como resultado de pesquisas aprofundadas. Mas, depois, o cientista deve ter a humildade de transcrever isto para que seja entendido pela sociedade. O que vejo é que a grande maioria dos críticos atuais ignora a tradição crítica brasileira e toma modelos da crítica importada. Às vezes, é necessário que um crítico de fora venha comentar da dificuldade de se falar em crítica brasileira utilizando os modelos internacionais, norte-americanos ou europeus, como fez, recentemente, Guy Brett no Rio de Janeiro. Ainda estamos sob o domínio dos ‘ismos’.

– O nível de abstração das obras contemporâneas não dificulta a aproximação?

– A arte é sempre uma manifestação de sua época, desconhecê-la é desconhecer o seu próprio tempo e a sua própria existência. A abstração é coisa ainda da arte moderna, o que vemos agora é uma figuração que passou pela experiência da abstração. O mundo moderno não se dá mais tempo para a reflexão, tudo é imediato, "modelizado" pelos meios de comunicação, que obrigam a fazer as coisas sem pensar. Mas a arte propõe o contrário, parar para ver, sentir e pensar. Quando o espectador usa um pouco do seu tempo para refletir, acaba gostando do exercício e se aproximando da arte.

– Sobre a produção local e nacional, o que você nota despontando de interessante?

– A produção paranaense é rica, mas tem de sofrer uma análise crítica severa. Depois que a Adalice Araújo parou de escrever para os jornais, tudo o que se faz é marcar os eventos, não há uma continuidade. Qual foi a importância de Franz Hohenlohe para o modernismo do Paraná? Ele foi um príncipe alemão que teve participação importante na Primeira Grande Guerra, participou do Círculo Cultural de Viena e passou seus últimos dias em Curitiba, ganhou prêmios no Salão Paranaense. Sua obra hoje foi levada para a Argentina, nada se fez para ela ficar aqui. A coleção de LPs, do Aramis Millarch, que era algo extraordinário, foi embora com um colecionador norte-americano. O que foi feito com o Museu David Carneiro? É uma pena que hoje só estejam olhando para fora, falta um olhar para dentro – falta o olhar da continuidade, mas cada vez mais nos interessamos menos pela nossa história.

– E entre os artistas já estabelecidos?

– Por vezes, a nova geração fica andando em círculos dentro de um novo "academismo" preso aos anos 60 ou 70, mas acreditando estar na vanguarda. Com os artistas já estabelecidos, como você diz, isto é mais raro, eles têm domínio do seu trabalho e de sua posição histórica, e portanto estão sempre inovando. Veja as exposições recentes do Fernando Velloso, o que ele tem feito com a cor? E agora, a exposição do Jair Mendes no Palacete dos Leões. Há uma juventude nestes trabalhos que não encontramos nos jovens. Por que isso?

– Você também trabalha como curador. Como é esta atividade?

– O termo anglo-saxão não me deixa à vontade, não curamos nada. Talvez o termo "comissário", como usam os franceses, seja melhor. Esta figura sempre existiu, sempre alguém foi encarregado de organizar uma exposição ou de expor um conjunto de obras. Mas é um termo da arte contemporânea, da necessidade de teorização da mesma. Ela surgiu para aproximar o público das obras de arte, dar um caminho. As curadorias começaram com as grandes exposições temáticas, elas eram didáticas e queriam contar uma história, muitas vezes a história particular do curador. Trouxe uma vantagem, os grandes catálogos onde vários especialistas apresentavam as suas abordagens daquele conjunto de obras. Mas, às vezes, as curadorias são mais herméticas do que a própria obra do artista. Parece que o curador quer aparecer mais do que o artista.

– Que curadoria gostaria de fazer?

– Não é bem qual, mas como. Eu gostaria, sempre, de trabalhar com artistas paranaenses (mas não é muito fácil agradá-los) e ter liberdade tanto de espaço, quanto de orçamento, para mostrar completamente um segmento da arte paranaense. Uma exposição que me deu bastante prazer na sua execução foi sobre O Movimento de Renovação da Arte Paranaense, junto com o Domício Pedroso. Tivemos carta branca, mas o espaço naquela época era muito pequeno, só foi possível mostrar uma obra de cada artista e no fim a verba foi cortada e o catálogo saiu prejudicado. É uma exposição para ser feita no MON, para mostrar a verdadeira importância desse movimento. Outra que eu gostaria de fazer, e queria contar com a ajuda, talvez, de Adalice Araújo, Ivens Fontoura e Lauro Andrade, é sobre os Encontros de Arte Moderna do Paraná, responsável pelo aparecimento da chamada Geração 80 no estado. Os artistas dos anos 80 não são de geração espontânea, têm seus precursores. Isto precisa ser reavaliado para que não continuemos andando em círculos.

– Nas aulas, algumas vezes, você usa caderninhos com anotações de suas impressões pessoais de movimentos artísticos, como o citado acima. O que mais o marcou?

– Eu tenho o hábito de fazer uma ficha, ou mesmo um caderno, anotando todas as exposições que vejo e o que mais me chamou a atenção nelas, isto me auxilia bastante nos meus cursos sobre arte paranaense ou arte contemporânea. Acho que um professor, ou um crítico de arte, deve ver tudo, ler tudo, e não só da sua área, as inter-relações são maiores do que podemos imaginar. Recentemente, o que mais me marcou foi a exposição Dada e Surrealismo, no MON. Não podia imaginar que um dia eu veria, num museu paranaense, descarregarem um dos urinóis do Duchamp. Faltou somente uma réplica do "Grande Vidro", realizada pelo Richard Hamilton.

– Como é o seu gosto em artes visuais?

– Gosto muito da arte contemporânea e gostaria muito, se tivesse condições, de ser um colecionador de obras contemporâneas, não só paranaenses. Mas também gosto de estar perto das obras de artistas que marcaram a história da arte, seja regional, nacional ou internacional.

– Qual sua avaliação das artes visuais, como um todo, no Paraná? Em termos de produção, espaços, profissionais, técnicos, formação.

– Há uma produção intensa, há artistas produzindo obras surpreendentes, mas que ficam presos aos espaços de seus ateliês, não há visibilidade, parece que estar em Curitiba é se tornar invisível. Você é todo tempo confundido, se sua obra aparece você é artista catarinense ou gaúcho. Este deve ser o papel dos nossos museus, não só fazer exposições, mas ao fazer exposições dos artistas locais, torná-los visíveis. Impor a troca, não só receber exposições prontas, mas exigir que as nossas também aconteçam em outros espaços brasileiros ou internacionais.

O Paraná vai expor em Paris, durante as festas do ano do Brasil na França. Quem são os artistas que vão expor? Qual foi o debate que ocorreu em torno deles? São os mais representativos? Que visão da arte paranaense estará sendo levada para lá? Haverá mesmo uma exposição?

Pode ser que os franceses ainda esperem de nós exotismo e folclore, penas de pavão, peles de jacaré ou artesanato indígena. Nossa arte popular e nosso artesanato são importantes, mas devemos também mostrar que não estamos mais no século 18 e que também somos produtores de idéias. Será que somos?

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