Imigração
Veja abaixo o texto original e a tradução de um poema de Elias Farhat:
Vizinho
Sofremos demais, meu caro vizinhoPelos opressores, sofremos nós doisVocê sofre sozinho, eu sofri sozinhoNunca imigramos e revoltamos nós dois.
Temos um medo enorme dos tiranosTiranos estrangeiros e tiranos parentes Procuramos sempre diminuir os danos Reclamando sofrimentos Diante da Lua crescente.
Porque em desacordo ficamos Se neste país todos moramos Caro vizinho nós temos, Que lavar e limpar nossa mente.
Enquanto meus direitos Respeitados por você Você fica meu irmão Não levando em conta A sua adoração.
Tradução: Youssef Mousmar.
Poeta foi mascate e ganhou prêmios
Elias Farhat nasceu na Vila de Kfarchima na Síria, atual território do Líbano, em outubro em 1891. Emigrou para o Brasil em meados dos anos 1910. Morou inicialmente em Minas Gerais e depois em São Paulo, onde se tornou caixeiro viajante de uma fábrica de tecidos. Veio ao Paraná nos anos 1930 e morou na Lapa por cerca de 18 anos, onde se casou com Julie Gibran (prima do escritor Khalil Gibran) e teve quatro filhos: Laila, Issam, Khaled e Muna. Morou também um ano em Curitiba.
Em 1922, venceu concurso da colônia sírio-libanesa de São Paulo pelo centenário da independência, com um poema que está gravado em um monumento no parque Ibirapuera. Nos anos 1940, venceu outro concurso, dessa vez no Egito, o que lhe valeu o epíteto de "príncipe dos poetas árabes".
Publicou diversos livros, como Rubaiat, Sonhos de um Pastor e o mais famoso, Frutos Temporões, todos em árabe. Morreu em Belo Horizonte aos 86 anos.
(...) contemplo a mecha de cabelos, imagino-a o cadáver de um amor, entre ruínas orvalhadas de lágrimas. Em qualquer antologia de poesia árabe do século 20, vai-se ler esses versos do poema "A Mecha de Cabelos", do libanês Elias Farhat. Palavras que comovem há décadas os corações do Oriente Médio com a história do menino que, antes de emigrar do pequeno povoado na Síria, recebe um pequeno tufo dos cabelos da namorada como recordação de um amor inocente.
Os versos uma história real da vida do jovem escritor bem como a maior parte de sua produção, foram escritos na cidade da Lapa, no Paraná. A cidade ganhou com isso notoriedade para os falantes da língua árabe no mundo todo, como lar do grande autor. Ele também viveu em Curitiba (leia mais no quadro), onde era tratado como uma celebridade.
Essa fama ele ainda tem, em escala maior, em todo o Oriente Médio. Leitura obrigatória em escolas e nome de rua em diversas cidades da Síria e do Líbano, além de recordista de livros vendidos, Farhat é o poeta mais popular em língua árabe do século 20.
Em 1959, a convite da República Árabe Unida (país que nasceu da união entre as repúblicas do Egito e da Síria, como um passo a caminho da "nação pan-árabe"), Farhat viveu um ano em países do Oriente Médio, onde pôde comprovar o tamanho de sua popularidade.
Naquela época, o conteúdo de seus versos se tornou mais político sempre ao lado dos temas líricos e nostálgicos que lhe deram grande notoriedade. Farhat se tornou uma espécie de arauto da libertação do povo árabe em um momento de dominação anglo-francesa temática que só fez crescer o interesse sobre sua poesia.
É algo que o neto Filipe Farhat pôde atestar em viagem recente ao Egito e à terra natal do avô. "Ele era recebido com honras de Estado e multidões se aglomeravam para ouvi-lo declamar", contou à Gazeta do Povo.
Grande parte da família Farhat ainda vive em Curitiba outro neto do poeta, Riad Farhat, é delegado-chefe da Polícia Civil do Paraná.
Arabismo
A temática política só fez crescer o interesse por sua poesia. Ex-adido cultural da embaixada do Brasil no Líbano e atualmente estudando e lecionando na Universidade Saint-Esprit de Kaslik, o maringaense Roberto Khatlab tenta dimensionar a importância da obra de Farhat no Oriente Médio.
"Um dos grandes representantes da literatura árabe mundial, ele pode ser considerado como poeta do arabismo, pelo seu estilo e obras, que ainda hoje são estudados em escolas, tanto no Líbano como na Síria e em outros países. Um escritor que, mesmo na emigração não deixou de escrever sobre o Oriente", observa.
O historiador, tradutor e dicionarista Youssef Mousnar, que conheceu e dividiu "alguns copos de uísque" com Farhat, além de traduzir vários de seus poemas (leia um deles abaixo), lembra que a figura humana de Farhat transparece em seus escritos.
"Era um homem de muita sensibilidade e inteligência, com um talento natural e muito grande para a poesia", elogia.