Bernardo Marinho e Josie Antello vivem um singular jogo de sedução em Educação Sentimental| Foto: Fotos: Divulgação

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Sessão Olhar de Cinema apresenta Educação Sentimental, de Júlio Bressane

Cinemateca (R. Presidente Carlos Cavalcanti, 1.174), (41) 3321-3252. Segunda-feira, às 19h30. Após a sessão, haverá um debate com o diretor e a atriz Josie Antello. Entrada gratuita.

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Júlio Bressane buscou inspiração na literatura grega
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"Nossa cultura despreza a educação e os afetos." Depois de ouvir essa afirmação de Júlio Bressane, um dos mais importantes autores vivos do cinema brasileiro, dá vontade de desligar o telefone. Não em sinal de protesto, como reação às palavras duras do diretor, que estará amanhã em Curitiba, em sessão de pré-estreia de seu novo longa-metragem, Educação Sentimental, na Cinemateca.

O ímpeto de suspender ali a conversa vem do anseio de tomar fôlego para pensar sobre as palavras do cineasta, e depois, mais tarde, dar continuidade à entrevista. Mas isso não é possível e o diálogo tem de continuar.

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Apesar de ter o mesmo título que uma das obra-primas de Gustave Flaubert (de Madame Bovary), Educação Sentimental, o longa nada tem a ver com o romance homônimo do escritor francês, publicado em 1869. Bressane foi beber em outra fonte, mais longínqua no tempo: a literatura grega da Antiguidade. Inspirou-se no mito helênico em que a Lua, imortal, se sente atraída por Endimião, para, enfim, apaixonar-se pelo jovem mortal.

O satélite da Terra, no caso, é representado pela personagem Áurea, vivida pela atriz Josie Antello, que também estará na sessão de amanhã, promovida pelo Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, com apoio da Fundação Cultural de Curitiba (FCC). Mulher culta, de seus 40 anos, escritora e apaixonada pela artes, ela se descobre encantada por Áureo (Bernardo Marinho). Para seduzi-lo, ela recorre a seu imenso repertório de conhecimentos sobre assuntos os mais diversos, que vão da literatura à porcelana, passando pelo cinema e pela música.

"Ela fala de, e não sobre tudo isso", distingue Bressane. A diferença está no fato de que a personagem não pretende discutir esses temas com Áureo, para quem tudo é novo, desconhecido: ela os apresenta ao jovem, que pouco ou nada diz. "Mas ele tem o dom da escuta."

Nesse processo de educação, Áurea o expõe a um um mundo de informações que ele desconhece e, presume-se, não compreende em grande parte. Tudo o que ela lhe apresenta, em longas falas, que parecem solilóquios, não aparenta pertencer ao mundo atual, onde, segundo ela, "a sensibilidade se tornou obscena".

Essa frase, dita logo no início do filme, segue ecoando no ouvido do espectactor. Para Bressane, a afirmação vem da lógica de uma mulher "inatual", mas também é ele falando sobre como se sente no mundo de hoje, o mesmo no qual se despreza tanto a educação e os afetos. "Ela é uma mulher de cultura sofisticada, que cultua um tesouro: a arte de ler, que praticamente desapareceu no mundo contemporâneo. Ela pertence a um outro tempo", afirma.

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Opacidade

Em outro momento im­­­­portante de Educação Sen­­­­timental, Áurea mostra ao rapaz um fragmento de película cinematográfica e lhe diz que aquilo, em breve, estará em "um museu de sensibilidades perdidas", fadado à obsolescência e, talvez, ao esquecimento. Bressane refere-se à substituição gradual, e talvez irreversível, dessa forma de fazer filmes pelo cinema digital. Mas não é tão fatalista.

"Cinema até hoje – ou o cinema de ontem – foi feito em película. Ou seja, a complexidade do mecanismo do cinema é que ele é uma projeção de uma transparência. O filme é um fotograma transparente, uma pasta granulada onde se imprime a luz", diz Bressane.

Para o diretor, o cinema digital é opaco, mas não é, necessariamente, pior ou melhor. "Isso não é uma perda, como muitos podem imaginar. A opacidade é algo importante, é o inconsciente e o sujeito. O campo de exploração da opacidade é tão interessante quanto o campo de exploração da transparência."