"Percebi, relendo Guerra e Paz, que a literatura de Tolstói nunca foi dividida em fases como dizem. Ele manteve uma coerência quase programática ao longo da carreira."
Rubens Figueiredo, escritor e tradutor
Guerra e Paz é uma obra cuja fama precede sua leitura. Um dos escritos mais lembrados do russo Liev Tolstói (1828-1910), o livro é citado inclusive pelo seu tamanho com mais de 2 mil páginas, já foi até mesmo o mote de um episódio animado do desenho Charlie Brown em que o protagonista precisa passar as férias lendo o calhamaço para um trabalho de escola. O que o personagem do cartunista Charles Schulz levou três meses para ler, Tolstói levou sete anos para escrever entre 1863 e 1869 e Rubens Figueiredo levou três anos para traduzir. O resultado está sendo lançado pela editora Cosac Naify. São 2.536 páginas, divididas em dois volumes, que contêm a primeira tradução brasileira direta do russo.
A reputação do livro vai muito além de seu tamanho descomunal. Dotado de uma profunda visão sobre a sociedade das primeiras duas décadas do século 19, Guerra e Paz causa polêmica entre os que tentam classificá-lo. O próprio Tolstói, sabidamente um espírito questionador e crítico, escreveu que a obra não era um romance nem um poema, muito menos uma crônica histórica, mas sim "aquilo que quis e pôde expressar seu autor na forma em que foi expresso". É o que escreve o tradutor Rubens Figueiredo responsável também pela tradução de Anna Kariênina e A Ressurreição, do mesmo autor no prefácio do livro.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Figueiredo explica que a razão para isso está diretamente ligada à toda a literatura russa daquela época. "Os romances russos estavam muito longe do padrão europeu, com começo intrigante, crescente complicação do interesse e desfecho feliz ou infeliz, como escreveu Tolstói. Para ele, o romance tinha um compromisso muito grande com as relações sociais e expectativas de seu tempo", conta, e acrescenta que isso pesou muito na hora de traduzir a obra: "Tentei ao máximo fazer com que as opções linguísticas e intelectuais do autor chegassem ao português tal como eram na época, sem atualizá-las".
Impressões
O tradutor conta que leu o livro pela primeira vez aos 23 anos. "Pegava ônibus todo dia às sete da manhã, de Copacabana para Olaria, voltava à noite, e durante os trajetos lia uma edição portuguesa. Chegava em casa e lia um pouco mais", lembra. Quando o releu, para fazer a tradução, entrou em jogo seu profundo conhecimento do autor: "Foi uma leitura reveladora para mim, pois mudou muitos dos conceitos que eu tinha formado sobre Tolstói. Por exemplo, encontrei trechos em Guerra e Paz que poderiam muito bem estar em A Ressurreição, geralmente apontado como muito diferente do resto da sua obra".
Mesmo mais de um século após sua publicação, Guerra e Paz, afirma Figueiredo, continua atual ao tratar de temas de extrema preocupação ao mundo contemporâneo. "Mais do que tratar de desigualdades sociais, ele trata de desigualdade entre países. O uso do discurso humanitário como pretexto para dominar outra nação era algo que Tolstói já tinha percebido em relação à China, por exemplo, que era considerada um país bárbaro", explica.
A obra oferece enfoque especial à era de Napoleão Bonaparte e às guerras que o imperador francês empreendeu contra o regime czarista em 1812. "A dominação cultural existe até hoje. Quando Napoleão invadiu a Rússia, a aristocracia já falava francês, e o livro começa assim", completa, sobre o diálogo inicial entre membros da alta sociedade russa, que tratam, no idioma de Balzac, de figuras políticas importantes.
Serviço
Guerra e Paz, de Liev Tolstói. Tradução de Rubens Figueiredo. Cosac Naify, 2.536 págs., R$ 198.
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