Pense na Flip como um lugar e não um evento. A Festa Literária Internacional de Paraty faz parte do plano de transformar a cidade-patrimônio numa referência de turismo cultural. Para isso existe a Associação Casa Azul que, além do festival, realiza mais de uma centena de ações culturais.
Então não é um exagero sugerir que as pessoas viajam à Flip e não exatamente para Paraty. O impacto da festa é grande a ponto de alterar a rotina dos moradores (para o bem e para o mal), mudar a paisagem local e criar uma espécie de parque temático ligado à literatura.
No lugar de montanhas-russas ou trens-fantasma, você pode embarcar em uma das tendas montadas somente para abrigar debates entre autores. Quando a viagem começa, as luzes se apagam e é possível colocar fones de ouvido para a tradução simultânea. É curioso escutar os intérpretes acompanhando o raciocínio dos convidados estrangeiros. Testemunhar conversas de pessoas interessantes é o maior programa da Flip. Quem não gosta de conversa, não deve se aventurar.
Em Paraty, você quase sempre pode passear de barco, almoçar numa ilha ou mergulhar. Mas não é todo dia que vai cumprimentar o crítico literário Terry Eagleton num sábado de manhã. Ou levar um susto ao ver o cineasta Hector Babenco irrompendo numa pizzaria, falando alto e vestindo um paletó verde para combinar com o vestido da mulher, Bárbara Paz.
Durante a Flip, o melhor negócio é conferir as opções que não estariam ali não fosse pela festa. Liz Calder, criadora do evento e presidente da Associação Casa Azul, disse que a personalidade da festa é diferente a cada ano, sujeita ao elenco de escritores e até ao perfil do público. Este ano, discussões sociológicas e acadêmicas se sobressaíram às ficcionais.
Ainda assim, existe um formato que não muda nunca e que torna a Flip uma atração não importa quem esteja lá. É como visitar uma realidade paralela em que as pessoas se acotovelam para comprar livros, formam filas na livraria como se ali vendesse pão quentinho, esperam por muito tempo para pegar um autógrafo, caminham à toa pelo Centro Histórico tropeçando em toda sorte de artista (e não somente nas pedras).
Dizem que curitibano gosta de filas, mas as que se formam nos estabelecimentos de Paraty são desafio até para quem sai de Curitiba. Mais de uma hora para comprar um cafezinho (na cafeteria colada à Tenda dos Autores), duas para conseguir jantar (em alguns dos estabelecimentos mais disputados, como o Punto Divino ou o Banana da Terra) e meia hora para ir ao banheiro (também próximo às tendas).
Esperar é também um dos programas da Flip. Com a vantagem de que você pode usar o tempo para ler algo ou conversar com quem está na mesma situação. Não é sempre que se pode conhecer um físico norte-americano especialista em avaliar novas descobertas científicas, ou um empreendedor britânico casado com uma venezuelana e morador de Brasília.
Apesar de ter sido criticada pela programação deste ano com o cancelamento do músico Lou Reed e a reprise de autores , a Flip é um evento também por causa do público. Imagine o congresso de uma determinada área do conhecimento, mas substitua os pesquisadores por leitores e escritores.
A oitava edição, encerrada no último domingo, não foi intensa como as de anos anteriores. Muitos ficaram com a impressão de que se falou pouco das mesas nas ruas de Paraty.
"Proximidade" é um conceito que define a Flip. Dos leitores com os autores, dos leitores entre si e também dos autores entre si. Isso é o que torna o evento especial. Para quem gosta de literatura, é como se houvesse uma Copa do Mundo todo ano.
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