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O personagem Nando (Luca Bianchi, foto acima) após deixar a prisão | Divulgação
O personagem Nando (Luca Bianchi, foto acima) após deixar a prisão| Foto: Divulgação
  • Marcos Prado: transição para o cinema de ficção

O carioca Marcos Prado, premiado com o controverso documentário Estamira, queria muito fazer sua transição para o cinema de ficção. Mas precisava de um projeto que o apaixonasse e nele despertasse o desejo de tentar um mergulho em águas profundas, por mais riscos que esse salto pudesse lhe trazer.

O longa-metragem Pa­­raísos Artificiais, exibido na última sexta-feira dentro da mostra competitiva do Cine PE, que termina hoje em Olinda, foi o canto de sereia que há tanto ele aguardava.

Como sugere o próprio título do filme, que estreia nesta sexta-feira em cerca de 240 salas de todo o país, a história trata do mundo das drogas sintéticas, entre elas o ecstasy, que transportam o usuário a uma dimensão de sensações físicas e emocionais que podem ser reveladoras, mas também aterrorizantes – e, muitas vezes, o coloca no fio da navalha, entre o prazer, o autoconhecimento e a dependência; a vida e a morte.

Mas Paraísos Artificiais, ao contrário de obras como Réquiem para um Sonho, longa-metragem de Darren Aronofski (de Cisne Negro), até citado por Prado como uma das referências para seu filme, não tem a droga, ou seus efeitos, como único tema, embora ele seja central.

Foi o mundo da música eletrônica, e seus muitos matizes comportamentais, incluindo o uso de drogas, o tal mar onde Prado quis mergulhar, buscando construir histórias de vida que se entrecruzassem e transformassem umas às outras nesse ambiente ao mesmo tempo sedutor e ambíguo, e que, nos dias atuais, não conhece fronteiras.

A partir desse conceito, o da internacionalidade dessa cena eletrônica, que transcende a música em si, e seu apelo junto ao público jovem, Paraísos Artificiais tem como protagonista um jovem adulto chamado Nando (o ainda pouco conhecido Luca Bianchi).

Na sequência inicial do filme, ele é apresentado saindo da prisão, depois de ter cumprido pena por um delito ainda pouco claro para o espectador.

Levado pela mãe, Márcia (Divana Brandão) para casa, ele tem um semblante amargurado. Apesar de não estar mais atrás das grades, parece estar ainda preso ao passado que o trouxe até ali. Esse desconsolo transportará a trama a dois momentos passados.

No primeiro, há vários anos, vemos duas jovens, Lara (Lívia de Bueno) e Erika (Nathalia Dill), em algum ponto do litoral do Nordeste, a caminho de um evento chamado Universo Paralelo, misto de rave e festival de cultura alternativa neo-hippie, que acontece na região de Recife. Já no segundo, mais recente, Nando e seu melhor amigo, Patrick (Bernardo Melo Barreto), estão em uma missão perigosa em Amsterdã, onde Nando conhece e se envolve com Erika, que a esta altura se tornou uma DJ em ascensão.

Esses três tempos narrativos acabam se entrelaçando em um roteiro engenhoso, cheio de idas e vindas, assinado por Paulo Padilha e Cristiano Gualda, que mantém a atenção do espectador do início ao desfecho da trama, cujo ritmo também é pontuado pela batida nervosa da música techno. Sem falar das imagens de tirar o fôlego de Lula Carvalho.

Roteiro

Em entrevista para a Gazeta do Povo, Prado contou que foi Bernardo Melo Barreto quem lhe trouxe a ideia inicial para o projeto. O jovem ator, que também dirige e tem uma produtora no Rio de Janeiro, pensava em realizar um curta-metragem sobre a cena eletrônica e o uso das drogas, mas com um tom mais próximo de um thriller. "Não era isso que eu queria fazer."

Prado escreveu duas versões do roteiro com colaboradores, até recorrer a Padilha e Gualda, que escreveram a versão final e vieram com a proposta de embaralhar os tempos narrativos. "Isso deu um ritmo, uma vida à trama, que fez toda a diferença."

Fátima Toledo

Para a escolha do elenco principal, Prado e sua equipe recorreram a um trabalhoso processo de seleção, coordenado pela preparadora de elenco Fátima Toledo, cuja experiência com atores não profissionais em Cidade de Deus a tornou uma referência no ramo, por mais polêmicos que sejam seus métodos.

Centenas de jovens talentos foram testados exaustivamente até que o cineasta encontrasse os intérpretes ideais para viver Nando, Erika e Lívia.

Luca Bianchi já tinha feito pequenas participações em novelas, em curtas e no longa Tropa de Elite 2, mas era – e, até o filme estrear, continuará sendo – um ilustre desconhecido. Um dos fatores que pesou na escolha de seu nome foi a habilidade de, com mais de 30 anos (hoje tem 33), conseguir parecer tanto um pós-adolescente no início da trama quanto um homem adulto, amargurado e marcado por muitas perdas, no tempo presente. Sua atuação impressiona.

Segundo ele, as cenas mais difíceis foram justamente essas, com ele já mais velho, saindo da prisão, cercado de fantasmas, medos e arrependimentos. Aí, entrou em cena o método Fátima Toledo: "Ela me fez ficar semanas sem sair de casa, sem ter contatos com amigos, ou família, para que eu pudesse incorporar essa sensação de confinamento, de alguém que é afastado da vida em sociedade. Foi muito duro."

Cenas quentes

No elenco principal, o único nome mais conhecido é o da jovem atriz Nathalia Dill, atualmente no ar como a Débora da novela Avenida Brasil. Mas, sem privilégios, ela teve de passar pelos testes que os atores enfrentaram.

Sua atuação é um dos destaques de Paraísos Artificiais, também conseguindo ser muito convincente em sua transformação ao longo do tempo. Entre os desafios que teve de enfrentar, ela ressaltou, em entrevista, estão as cenas nas quais seu personagem está sob o efeito de drogas.

Em uma delas, rodadas em falésias no litoral da Paraíba, Erika tem uma "viagem ruim" após tomar um tipo de ácido que a faz sofrer alucinações. Ela se vê atacada, seminua, por uma manada de búfalos, que teve de ser transportada do Norte do país para a locação. Em outra dessas sequên­­cias complicadas, Érika, Lívia e Nando, participam, durante a rave em Recife, de uma tórrida cena de sexo a três, embalada por substâncias sintéticas.

O filme custou R$ 10,5 milhões e Prado, produtor de Tropa de Elite 1 e 2 e sócio do diretor José Padilha (que também produz Paraísos Artificiais), espera que o longa consiga encontrar seu público e saia são e salvo desse mergulho arriscado.

O jornalista viajou a convite do Cine PE.

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